“O homem chega e já desfaz a natureza
Tira gente, põe represa
Diz que tudo vai mudar”
Sá &
Guarabyra lançaram “Sobradinho” em 1977, cantando os efeitos da construção da
Usina Hidrelétrica de Sobradinho no Velho Chico, próxima às igualmente musicais
Juazeiro (BA) e Petrolina (PE).
Sobradinho
demorou seis anos para ser construída, alagando uma área total de 4.214 Km² do
sertão baiano. Completando a ficha do empreendimento, a usina tem capacidade de
gerar 1.050 MW e é gerenciada pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco
(CHESF), uma empresa da Eletrobrás e responsável, também, pela famigerada Belo
Monte.
Na década de 1970, o governo militar ainda construiu pela goela da população a
Usina de Itaipu, alagando o Parque Nacional de Sete Quedas no Paraná.
Belo Monte tem se mostrado um empreendimento polêmico. Impacto qualquer
obra tem. Seja ele ambiental, social ou ambos. Adquirimos o costume de
questionar impactos socioambientais quando entidades competentes também
questionam. Até certo ponto é saudável assim proceder, mais saudável ainda é
conhecer de perto a situação.
Há algum tempo foi copiosamente veiculado um vídeo no qual atrizes e
atores da Rede Globo apresentam, de certo modo, os efeitos da construção da
Usina de Belo Monte. Repito: o vídeo foi fartamente divulgado, anexado a
mensagens de indignação pelas redes sociais.
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Cacique Raoni, líder caiapó na região do Xingu. Que não "chora ao saber que Dilma liberou o início da construção de Belo Monte", como diz o suspeito boato, mas por um parente. |
Ora, a polêmica de Belo Monte remonta a décadas correntes. E o
empreendimento já começou. Mas, para além do seminário nota 5 dos globais,
muitas questões estão em jogo.
O acerto do fornecimento de energia. Usinas hidrelétricas produzem
energia limpa sim. Esse é um ponto positivo da construção de Belo Monte. Enquanto
observamos o risco nuclear da construção de Angra 3, contra a qual os globais
não produziram vídeo algum, geração de energia limpa é a alternativa.
O erro socioambiental. Aqui reside o primeiro erro de Belo Monte. Na
região da Bacia do Xingu residem 28 etnias indígenas, quase 20 milhões de
hectares e cerca de 20 mil índios. Além do impacto ambiental em grandes
proporções com o alagamento, os índios residentes precisarão abandonar a região
e Altamira já vê sua criminalidade e marginalidade aumentarem. Inicialmente o
projeto de Belo Monte traria mais danos ambientais, reformas foram feitas, mas
ainda há muito com o que se preocupar.
O erro público. Pouco diálogo houve com as comunidades indígenas do
Xingu e com os ribeirinhos. A Funai os ouviu, já o Congresso Federal não, ainda
assim autorizou. Mesmo sem as condicionantes ambientais para a construção de
Belo Monte, o Ibama também autorizou. A “Licença de Instalação Parcial” emitida
pelo órgão no começo desse ano foi contrária à própria existência do Ibama, que
deveria fiscalizar o integral cumprimento das condicionantes.
O erro político estrutural. Em janeiro de 2008 o presidente Lula nomeou
Edison Lobão para o cargo de ministro de minas e energia. Um advogado. Mais do
que isso, um PMDBista com longa trajetória pela nossa já conhecida quadrilha
ARENA-PDS-PFL-DEM. O erro foi político estrutural porque obedeceu ao péssimo
hábito do presidencialismo de coalizão. Lobão é cacique e administra um setor técnico
vital para o desenvolvimento do país.
O erro cultural. Questões como a de Belo Monte nunca foram amplamente
divulgadas no Brasil. Em 1980 a Eletronorte iniciou estudos de viabilidade
técnica na região de Altamira. Em 1989 houve o 1º Encontro dos Povos Indígenas
do Xingu, já com protestos e claro sinal de desagrado dos locais com a
construção da usina. Nenhuma novela contou essa história, e as informações
passadas pelos jornais jamais te colocaram a par da situação e solicitaram sua
mobilização.
O erro político. Há muita coisa envolvida em Belo Monte, mas pelo nosso
histórico erro cultural, pouco sabemos e, desinformados, pouco pudemos fazer
até então. Há interesses econômicos de construtoras, há interesse governamental
de geração de energia, há interesses partidários em desgaste público de
adversários, há interesse de sobrevivência dos residentes nos locais. E a
mobilização começou tarde e de forma lamentável.
Reconquistamos a democracia há mais de 20 anos. Desde então muita coisa
tem acontecido e sempre tivemos oportunidade de repensar o país. E ainda temos.
Angra 3 e Belo Monte estão sendo construídas, o código florestal está sendo
votado a conchavos no congresso, índios e camponeses têm sido assassinados por
serem contra os interesses econômicos dos grandes e culturalmente fomos
educados a não olhar para tudo isso. Esses acontecimentos não cabem no horário
nobre.
Na próxima vez, não espere uma celebridade aparecer com meias-verdades para
se mobilizar. E não acredite em qualquer informação veiculada em redes sociais.
Comece a tornar sustentável sua mobilização socioambiental. Ou não só
Sobradinho vai virar mar, mas também a Grande Volta do Xingu e a nossa
consciência coletiva.