terça-feira, 24 de janeiro de 2012

SOPA, PIPA, Megaupload e afins

Uma corrida aos pen drives e CDs graváveis como forma de garantir o que é seu foi a reação inicial a aparente adoção da linha-dura para reprimir a pirataria digital. Na mesma semana em que dois projetos de lei no Congresso norte-americano ganharam fama para deleite dos amantes de trocadilhos (SOPA e PIPA - Stop Online Piracy Act e Protect IP Act), o FBI prendeu os executivos do site Megaupload, tirando-o do ar.

O site recebia e armazenava arquivos dos usuários e na maioria dos casos qualquer internauta podia baixá-los dados, desde que tivesse o link de acesso. E isso acontecia com filmes, músicas e até discografias completas, sem qualquer restrição à quebra de direitos autorais. No mesmo rumo do birô norte-americano, parlamentares planejavam aprovar duas leis que permitiriam ao governo bloquear qualquer site no mundo que desrespeitasse os direitos autorais, com ênfase, é claro, naqueles que violassem obras dos Estados Unidos.  

As duas posturas (proposta e ação) juntas provocaram a revolta de internautas, dispostos a hackear páginas de corporações e a combater ações repressivas, dizendo-se a favor da liberdade de expressão que a vida online nos trouxe.

Há restrições quanto às posturas dos dois lados e eu as expresso aqui.

Onde os defensores do Megaupload e afins erram

O direito autoral descende do direito de propriedade material, algo igualmente controverso e polêmico. A propriedade do pai passa para o filho? E se ele tiver vários filhos? E se ele não usa a propriedade? E se a empresa proprietária faliu? Não é fácil responder, vide a ação da polícia em São José dos Campos.

E como definir o dono de uma música ou de um trecho dela? De um quadro? De uma foto? Algumas músicas caíram em domínio público (não sei por que a frase lembra a expressão “cair em desgraça”). Mas para ouvir a versão que a Orquestra Sinfônica fez de uma música de Mozart não pense que a orquestra lhe entregará de mão- beijada. Os direitos da execução são dela.  

De qualquer modo, os direitos autorais existem porque alguém faz a música, o filme, o livro. Como eles ficam?

Em primeiro lugar, há algumas alegações simplistas para defender Megaupload e sites relacionados. Por exemplo: baixar arquivos não causa prejuízo às produtoras. Causa sim. Prejuízo para elas e para gravadoras, artistas, cinemas, locadoras. É comum alguém dizer: “mas a Fox ou a Warner atuam explorando artistas, monopolizando o circuito do entretenimento e faturam milhões de dólares”. Ok, mas não conheço ninguém que tenha dito: “eu só faço download de filmes da Warner, porque ela não é legal.” Baixa-se de uma e outra e a tese das grandes produtoras cai por terra.
  
Outra afirmação é de que o download é menos perigoso do que comprar CDs piratas porque não alimenta máfias ou qualquer outro tipo de organizações criminosas. Em parte é verdade. Na pirataria material o dinheiro vai para alguém. Mas ao baixar arquivos você pode ganhar de brinde um vírus – ainda mais quando o download se populariza mais do que a segurança na internet. Sem contar que uma das ações criminosas apontadas pelo FBI foi o fato de o Megaupload ganhar dinheiro com anúncios. Você não gasta, mas de alguma forma o intermediador ganha um dinheiro para usá-lo como quiser. Se vai comprar um Cadillac amarelo ou armas, não se sabe.

Os prejuízos estimados à indústria do entretenimento provocados pelo site derrubado giram em torno de 500 milhões de dólares segundo o FBI. Pode ser que a polícia norte-americana tenha valorizado a cifra, mas é inegável que alguém perde nesse processo.

Talvez o rombo não seja tão visível quando se toma como referência o usuário. Aquele que recebe e usa o produto baixado. Mas vamos para o ponto de vista do criador. Aquele que compõe, dirige, atua, filme, escreve e edita. Sua produção perde o valor e a tão sonhada profissionalização artística torna-se impraticável. Quase ninguém vive por música.  Imagine uma foto, frase ou criação sua caindo na rede e ninguém seque lembra quem é você. Revoltante? Imagine se alguém lucrasse sobre isso então.

Onde a visão de mercado das produtoras é limitada

O ataque às grandes produtores tem origem em alguns argumentos certeiros. O preço dos DVDs e CDs sempre foi exagerado, embora tenha caído recentemente. Não é provável que alguém esteja disposto a pagar 40 reais em um filme que ele nem sabe se vai gostar. Isso sem contar os abusos cometidos contra o pobre colecionador. Algo que eu irei abordar em outra ocasião. Sugestão? Recorra a uma locadora. Ok, dá certo se você quiser ir ver um filme mais recente.

E quando se trata daquele filme B? O primeiro em que aparecem Tom Cruise ou Cameron Diaz, por exemplo. Ou aquele filme argentino que bateu na trave no Oscar. Você não vai encontra-lo tão facilmente em uma locadora, loja e não espere contar com a Sessão da Tarde.

A possibilidade de se ter acesso a filmes clássicos parece um avanço cultural trazido pela internet. Traz uma enorme finalidade educativa e é estranho dizer que baixar um filme de 1956 esquecido pela Universal possa representar algum prejuízo à produtora.

Outro argumento de defesa é o tiro saindo pela culatra. O mercado se vê prejudicado pela pirataria, mas ela segue alguns ditames do mercado. Veja o caso do vídeo on demand. Assista algo na hora que você quiser! Essa liberdade de escolha não fazia parte do mercado liberal, em que a exibição de um filme ou música tinha horário determinado e limitado.

A mudança de cultura foi tão grande que as próprias emissoras de TV agora disponibilizam vídeos on demand gratuitamente em seus portais. E assim o usuário que baixa uma série no Megaupload vai defender-se dizendo que só quis assistir o Two and Half Men um pouquinho antes de a atração ser exibida na Warner, porque naquele dia marcado para a estreia não vai dar, sabe?

Os acessos e comentários nas redes sociais podem até indicar se compensa uma emissora nacional trazer para cá um seriado americano, se um CD merece mais atenção das gravadoras do que o previsto ou se um livro merece uma reedição mais bem tratada.

Resumo

Há nesse assunto um claro choque entre o modelo antigo e o modelo novo. Hoje, bandas lançam suas músicas somente pela internet. Não são todas as que dão certo e que lucram em shows, mas também não eram todas as bandas convencionais que se tornavam famosas nos anos 60.

Segundo a empresa de consultoria canadense Sandvine, o site Megaupload já chegou a ocupar 11% do tráfego na internet aqui no Brasil. Não é uma cifra desprezível, legalmente ou não.

Mesmo ao recuar da aprovação imediata do SOPA, um dos seus autores, o deputado republicano Lamar Smith, declarou que é preciso criar uma lei que proteja invenções norte-americana de ladrões estrangeiros. Nada mais parecido com filme de James Bond do que a prisão de um alemão que mora na Nova Zelândia. Daqui a pouco a família de Ian Fleming cobra direitos autorais nessa ação.

De todo mundo, é relevante questionar a duração dos direitos autorais. No Brasil eles duram 70 anos depois da morte do autor. Mário de Andrade não se encaixa nesse grupo até 2015, por exemplo. Até mesmo os lucros aos autores vivos são questionáveis. Quem não gostaria de se sustentar por algo produzido há 10, 20 anos? É até um convite a parar de produzir, diriam alguns.

Os filmes deveriam cair em domínio público em menos tempo ainda. É difícil enxerga-los como lucrativos vinte ou trinta anos depois do lançamento, por exemplo, mas nem por isso deixam de ser fonte de cultura e entretenimento.  

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

E agora, quem irá reprimir a polícia grevista?

Do fim do ano passado para cá, polícia militar, civil e bombeiros de diferentes estados entraram em greve reivindicando, entre outras coisas, reajustes salariais, pagamento de horas extras e vale-transporte.

Ao contrário do que o indivíduo desavisado possa imaginar, o policial também é cidadão, vota, de forma recorrente não tem seus direitos garantidos pelo poder público e deveria mais frequentemente (bem como o restante da população) lutar por melhorias de vida, de cultura, de educação e de trabalho.

Poderia ser controverso, em primeiríssima análise, que a mesma entidade que não recebe seus benefícios e a que não possui condições mínimas de formação e de trabalho seja também a que é treinada para reprimir lutas dos movimentos sociais.

Mas, afinal, qual o sentido de uma classe social debilitada se apropriar de um discurso político repressor e, na maioria das vezes, ter como alvo uma população da qual faz parte e a qual a originou?

A soma de um Estado desvirtuado e corrupto com a falta de políticas públicas compartilhadas faz com que os órgãos governamentais se distanciem cada vez mais da realidade da própria população. O que faz, consequentemente, com que instituições falidas como a da polícia não tenham suas demandas contempladas, mas mesmo assim continuem reprimindo os que lutam por seus direitos.




Seria revelador e de maturidade surpreendente que “libertários” se apropriassem também das reivindicações desta classe. Ao invés de argumentos restritos com fundamentação ideológica que não pertence (feliz ou infelizmente) aos trabalhadores, os movimentos sociais têm que admitir que grande parte do contingente da polícia é formado sim por pessoas pobres desfavorecidas.

O caráter político progressivo só acontecerá se houver o questionamento conjunto de policiais e sociedade civil, em que a base de trabalhadores policiais se reconheçam de fato e enfim como movimento social.

Antes de questionarmos se a reivindicação deve ou não ser política, deve-se considerar que ela passa antes de mais nada por um contexto social complexo. É claro que o autorismo vitima os próprios policiais civis, militares e bombeiros antes de atingir, em maior número e em um segundo momento, cidadãos e “companheiros” de periferias e movimentos sociais.

As melhorias às classes desfavorecidas pelo Estado só se darão a partir do momento em que o próprio discurso “revolucionário” deixar de ser autoritário, souber lidar com os que constituem a classe social e, assim, ter acesso à ferramentas de protesto como o boicote e a insubordinação, por exemplo.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Luz, escura luz


Gilberto Kassab, corretor de imóveis: Creci 32754-F.
O higienismo paulistano, que varreu corpos do bairro da Luz no centro de São Paulo, deu o primeiro passo na garantia de aposentadoria de Gilberto Kassab e dos seus chegados. A ocupação militar da “cracolândia”, no início incógnita a Alckmin e ao prefeito, tem sido agora assumida como uma operação bem sucedida pelas mesmas autoridades. Ainda há muito a ser feito, não com relação aos usuários e moradores do bairro, mas para a especulação imobiliária.

O “Projeto Nova Luz” pretende desocupar e demolir boa parte dos prédios da região em até 15 anos. O destino de moradores e “pessoas em situação de rua” ainda é incerto. Ao que tudo indica, a urbanização da região obedece fundamentalmente a critérios estruturais, não sociais.

Corretor de imóveis e técnico em transações imobiliárias, Gilberto Kassab não tem mesmo a formação necessária para observar o desenvolvimento da cidade sob uma ótica social. Não há como cobrar uma gestão social do prefeito, a despeito de seu atual cargo. É inelutável.

Conhecendo essa fatalidade, remediável apenas com impeachment, chegamos ao processo de gentrificação. A palavra tem origem no inglês e nomeia o processo de renovação de espaços urbanos deteriorados, banindo residentes, quase sempre de classes baixas.

Ora, um processo urbanístico que muito interessa à especulação imobiliária. Você, como prefeito e corretor de imóveis, não desapropriaria uma grande área para realizar um negócio imperdível? A população pobre que se escoe. A alocação nas periferias evita que "gente diferenciada" ande pelas nossas ruas.

O Secovi, sindicato de construção e comércio de imóveis, foi um dos principais financiadores da campanha de Kassab à prefeitura. O famigerado lobby dá as caras mais uma vez e já tem planos para a Av. Faria Lima, atropelando o Plano Diretor e agravando o já insustentável trânsito da região.

A gentrificação da Luz acolheria de braços abertos moradores com alto poder aquisitivo, dispostos a pagar alto às construtoras e imobiliárias para viver perto do escritório. Ninguém aguenta o trânsito, não é?

E para aproximar ainda mais o escritório, em outubro de 2007 o prefeito Gilberto Kassab anunciou o nome de 23 empresas que se instalariam na Nova Luz após a limpeza do local.

Já teve início a gentrificação com a ocupação militar da “cracolândia”. O problema do crack não foi combatido, foi dificultado. Mas o terreno está sendo asseado para a especulação dos próximos anos.

Veja o documentário "Luz" do Left Hand Rotation, esclarecendo os planos sobre o bairro da Luz.

Tradicionalmente segregacionista, a classe média alta paulistana é a principal patrocinadora do corretor e técnico em transações imobiliárias Gilberto Kassab. Teoricamente o prefeito, como representante do município, deveria zelar pela necessidade social de seus munícipes. Mas há conflito de interesses. O mercado imobiliário e o apoio do tradicional higienismo paulistano sustentam a gestão mercantil de Kassab.

Não é ilógico. Kassab trabalha para aqueles que o elegeram. Se nada for feito, em alguns anos a segregação aumentará. A tradicional eugênica classe paulistana corre atrás do próprio rabo. Não resolve o problema, só o agrava. Reféns de condomínios, de poucos bairros seguros e do medo, ela alimenta a violência que teme.

Mas esse é um papo mais profundo, pra outro texto quem sabe, raciocínio inacessível aos que “reaciocínam” à escura Luz.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Pinheirinho luta pra não virar cipreste


"Roubar para matar a fome não é pecado!"
A frase acima não tem referência na ABNT. Não perde seu valor, contudo. É atribuída a Antônio Conselheiro, um viajante louco e santo que adaptou o sétimo mandamento à condição miserável que a seca e o Estado Brasileiro submetia à ele e seus seguidores. O messiânico líder da população sertaneja daria um bom secretário de habitação: 5 mil moradias erguidas da areia de Canudos em "quatro anos de mandato" (da fixação em Bello Monte em 1893 até sua morte em 1897). Ali o Brasil viveu um evento raro em nossa história: resistência popular. Seria um orgulho nacional, não fosse um desrespeito, cobrir aqueles cadáveres com a nossa bandeira.
"Melhor um mau acordo que uma briga boa!"
Naji Nahas é dono de muita coisa, inclusive da frase acima. Um Capitalista voraz, que quebrou e voltou muitas vezes. Por que ele conversou infinitas vezes com Daniel Dantas, em nome de Marco Tronchetti Provera, hoje o grupo Telecom Itália permite que eu fale por horas com minha namorada ao celular. Nahas também era dono da holding Selecta-Comercio e Industria S.A., que agregada mais de 20 empresas.

Se eu entendi direito a "e-papelada" que eu andei fuçando, Naji se aproveitava de brechas legislativas e da boa vontade de José Augusto Mac Dowell Leite de Castro, diretor da Selecta e da CIS (Cia Internacional de Seguros) para comprar ações com informações privilegiadas sobre o preço mínimo, e revendê-las a um preço mais alto, lucrando a diferença. Como ensinou Amaury Ribeiro Jr., uma pessoa nos dois lados de uma transação é sinal de maracutaia. Isso é o que um leigo como eu consegue resumir. 

A Selecta quebrou em 1989, junto com a bolsa do Rio, por uma alteração nas regras de negociação da Bovespa. Abusado, Najas escapou de todas as acusações e ainda tenta na justiça ser indenizado por suas perdas em 1989. Um gênio. À massa falida da empresa pertence um terreno na zona sul de São José dos Campos, ocupado por mais de 1600 famílias, que desde 2004, chamam-no de Pinheirinho.

Fossem grileiros, a usucapião já teria resolvido o impasse (corrija-me algum entendido, por favor!). A justiça, no entanto, tem várias formas de ver o caso, ainda que vendada. Uma delas é observar o direito de posse da empresa falida e condenada por crime contra o sistema financeiro sobre um terreno que não utilizava.


Poderia ser observada a falta de 1,2 milhão de casas no Estado de São Paulo ou o esforço demagógico de Dilma e Alckmin para sorrirem entre si enquanto minam o efeito eleitoreiro que a construção de casas populares poderia ter para o poder federal ou estadual. Preferiu-se honrar o dinheiro do dono da área, muito embora o dinheiro seja notório fruto de fraude.

O prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury (PSDB) poderia ter ajudado a resolver  o problema, registrando a área junto ao governo do Estado como uma Zona Especial de Interesse Social. Não o fez. Talvez considerasse mais interessante ter um supermercado no lugar.

As famílias em Pinheirinho lutam para permanecer no local. Reproduzem, pobres e sem perspectivas, a mesma luta de cem anos atrás, pelos metros quadrados que ocupam há 8 anos ou por uma parte que lhes caiba por direito, contada aos palmos, em lotes individuais. Seja como for, algum espaço o Estado lhes deve.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O ciclo policial opiáceo II ou “Ai, se eu te pego.”


A fortiori, devo retornar à polícia. Pela força dos acontecimentos, incógnitos até aos caudilhos pilotos da “Locomotiva do País”, a função policial necessita de outra apreciação. Seria cômico, não fosse trágico, o gato e rato que deu ares na famigerada “cracolândia” na primeira semana de 2012. Atabalhoadamente, é assim que os problemas de saúde naquela área são manejados.

Correria! No embalo do sucesso “Ai, se eu te pego” de Michel Teló, o segundo escalão da Polícia Militar do Estado de São Paulo inaugurou a corrida atrás do “noia”. Sirene, correria, “mão na parede!”. Será que alguns usuários largaram o crack pelo susto?

Já não bastava o atropelo no processo, uma vez que o prefeito planejava inaugurar um galpão para tratar massivamente os adictos, a operação parece não ter sido deflagrada pelo governo civil do estado de São Paulo.

Policial pegando usuário na Cracolândia. Foto: Terra
Uma operação dessa magnitude não pode não ser do conhecimento das autoridades paulistas. Logo, ou coronéis da PM têm autonomia para agir repressivamente em casos de saúde pública ou Alckmin tirou o seu da reta diante do grotesco procedimento. De tão desastrada a operação, chegou até a promover a “procissão do crack”, na qual as velas foram trocadas por cachimbos com a pedra.

No entanto teve início a “operação sufoco”. “Nossa! Nossa! / Assim você me mata.”

E o sufoco foi literal: farda no corpo, cassetete na mão e “Ai, se eu te pego. / ai, ai, se eu te pego”. Faz o quê? Internação compulsória? Cadeia? Chute, imobilização e gás de pimenta?

O velho hábito, já conhecido da população paulista, de resolver os problemas sociais com medidas paliativas e eleitoreiras vingou outra vez. É de espantar que depois de tanto tempo de uma mesma gestão na prefeitura, e de uma gestão ainda maior no estado, o plano final tenha sido a correria e o enclausuramento involuntário.

Ao que tudo indica, os secretários estaduais e municipais de saúde do feudo paulista têm a mesma mentalidade dos secretários de segurança, chumbo grosso, da dinastia tucana. Isso se não forem coronéis reformados, que ganham cargos, mas não são ministros para sofrer perseguição.

Novamente a violência é generalizada. Há violência contra o usuário que, ao contrário do discurso conservador, não está ali porque gosta. Há violência contra os moradores da região, afinal a disseminação só aumenta. E há violência contra os próprios policiais que, já não bastava o inútil trabalho de ter que revistar aluno da USP dentro da biblioteca, agora precisa correr atrás de usuários e prender “traficantes” no famoso trabalho de formiga. Exigir da polícia que se resolva o problema é injusto com os próprios policiais.

Vale dizer que a política de internação compulsória jamais resolverá o problema. Essa Bastilha do Crack tem mesmo contornos higienistas, como o próprio sistema de enclausuramento de delinquentes, de criminosos.

Privar o usuário de uma reinserção social, mesmo que São Paulo hoje não ofereça o ambiente ideal, é um passo dado na contramão da resolução da questão. E a figura do galpão para tratamento, não só porque tenho lido Foucault, o desafeto de Pondé, é de uma investida pouco terapêutica.

Sinceramente, de nada adiantam profissionais da saúde, organizações que atendam usuários e pensadores da questão bradando, no fim. A política da dinástica gestão estadual e a da deletéria e cínica gestão municipal jamais enfrentarão o problema com a justa sabedoria social. Até porque, eles próprios vivem na contramão de uma sabedoria verdadeiramente social.

Até as próximas eleições, “sufoco”! Nesse ínterim, estado e município estarão a caçar embananadamente os pacientes e incoerentemente os problemas cruciais de São Paulo.

“Ai, se eu te pego!”

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O ciclo policial opiáceo


Policiais em ação. A tragédia da vida
privada de uma classe. Foto: Band
Se é certo que muitos consideraram e ainda consideram a religião “o ópio do povo”, é igualmente sensato ampliar a gama desses opiáceos num conjunto facilmente detectável. 

Os “casos de polícia”, a exemplo do evangelismo empresarial, tomam cada vez mais espaço no circo televisivo, e os programas desse teor reproduzem efeitos socialmente nocivos em larga escala.

Com o faroeste caboclo ganhando diariamente as telas domésticas, alarga-se cada vez mais o maniqueísta abismo entre mocinho e bandido. Os maus elementos são heroicamente combatidos pela polícia e “a lei” triunfa soberana sobre o mal.

No entanto, não só “a lei” carece de constantes revisões, mas também os efeitos de uma espetacularização desses casos de polícia e de tragédias. Vil entretenimento, miserável recreação. Realçam-se acidentes, arrastões, assaltos, atropelamentos e o alfabeto é extenso pra tanta mazela.
E a polícia, onde entra nesse recital de desgraças? Aliás, qual o papel da polícia numa sociedade? Pergunta insolente e vasta é a discussão, pense com seus botões.

No espetáculo do submundo, nesse bang-bang urbano televisionado, cada vez mais se legitimam a existência da polícia e seus atos, sejam esses quais forem. Novamente vale lembrar: “a Rota nas ruas”, para quem? Vez ou outra para aqueles que continuam fieis espectadores dos “casos de polícia”, mas sabemos que da classe média para baixo a polícia é outra.

Como entretenimento, os “casos de polícia” vão na contramão de qualquer movimento de emancipação educacional e elucidação política. Panis et circenses, desse tipo que abusa da tendência humana à comoção, à tragédia do próximo.

Como entretenimento informativo, legitima-se o poder policial no discurso popular. “Vagabundo tem que ir pra cadeia”, e ainda ecoa-se nos corredores do alienismo político conservador: “baderneiros”, “maconheiros”.

Fatalmente, os telespectadores desses desfiles de flagelos protagonizam um ou outro programa. O ciclo se alimenta. A força policial prestigiada pelos telespectadores aumenta ainda mais seu poder. Mais uma vez o ciclo se alimenta, qualquer alternativa ao estado policial se vê desarmada ante tanto prestígio, que fazemos?

Ora, bônus dos grandes meios de comunicação que transmitem o espetáculo das catástrofes urbanas e sociais, e arrecadam com anunciantes. É o sistema. Bônus também do governo policial, sobretudo estadual, a quem a polícia responde.

Já o ônus fica nas ruas. É do pobre que trafica porque consegue dinheiro. Do vagabundo que rouba porque não consegue trabalho. Do drogado que não vê a luz no fim do túnel. O ônus é o único que é bem distribuído nesse ciclo policial opiáceo. É o sistema.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A esquerda precisa repensar os seus ídolos

No fim do ano li um livro que considero genial: Guia Politicamente Incorreto da América Latina, a exemplo da primeira obra de Leandro Narloch (que trata apenas do Brasil), seu texto busca desmentir mitos ao redor de personalidades da parte de cá do continente.

Coincidência ou não, a munição é destinada na maioria das vezes aos líderes ditos de esquerda, tais como Che Guevara e Salvador Allende ou aos líderes que não sabiam que era do lado de lá do muro até assim serem declarados, como Simón Bolívar e Perón.

O que acho interessante dos dois livros é que o autor não usa argumentos direitistas* contra os comunas. Na realidade, sua principal metodologia é mostrar que os grandes ícones da esquerda provavelmente seriam taxados de conservadores se analisados com mais profundidade pelos seus colegas de doutrina política.

Leandro Narloch e Duda Teixeira mostram com base em documentos que Che era um fanático por assuntos militares. O que não é muito difícil de constatar uma vez que ele é sempre retratado de verde-oliva. Para completar, o argentino também admitiu em pronunciamento na ONU que havia fuzilamentos em Cuba. Daí a pergunta: por que ele é o grande estandarte dos movimentos pacifistas?

Já Salvador Allende geralmente é retratado como o Getúlio Vargas chileno. Aquele que deu a vida pela pátria para evitar um golpe militar. O problema, de acordo com os autores, é que Salvador se parecia mais com o presidente brasileiro do que se costuma divulgar: censurou a imprensa e perseguiu opositores. O livro também mostra sua vertente racista quando de sua atuação como médico e ministro da saúde: afirmou que algumas doenças são mais frequentes em judeus, ciganos e negros, e ainda tentou emplacar a esterilização em massa de doentes mentais.

A Argentina também teve o seu Vargas. Perón subiu ao poder por meio de um Golpe e de lá custou a sair. Quando esteve no poder apresentou ideias simpáticas ao regime fascista e de quebra acudiu vários fugitivos nazistas. Como pode ele ser o ídolo da viúva Kirchner e ainda ser abraçado pela esquerda?

Já Bolívar é apontado por Hugo Chávez como um pré-socialista. O libertador da América. Logo ele que trocou a ditadura espanhola por uma pessoal. E quem é a fonte mais usada pelos autores para desmoralizar Simón? Ninguém menos que o autor de O Capital e do Manifesto do Partido Comunista. Karl Marx retratou o militar como estrategista covarde que seguramente tentava afastar do poder os pobres e os negros.

Aonde quero chegar? Até que ponto é válido tornar imaculadas as imagens de líderes nacionais ou continentais, de modo a tornar inquestionáveis as suas condutas? E o que fazer se se descobrir o contrário? Jogam-se livros no fogo e busca-se sofismas para fazer valer uma visão de mundo?  

*a classificação esquerda/direita é relativa. A definição da primeira vertente como aquela que busca uma nova sociedade e da outra como aquela que visa mantê-la não faz muito sentido. Os democratas são, por exemplo, considerados a esquerda norte-americana, ao ponto que houve diversos partidos comunistas na Rússia pré-revolução de 1917 foram considerados reaças. 

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Complexo de vira-lata

Brasileiro é foda. A gente tem uma certa angústia por não ser visto como europeus, ou pelo menos "americanos", que nos impede de valorizar qualquer feito tupiniquim.
Um brasileiro luta bem no UFC? O gringo é melhor. O Santos vai jogar contra o Barcelona? Vai passar vergonha (foi mal, Yuri). Filme brazuca concorrendo ao Oscar? Não vai ter chance. Vamos sediar a Copa e as Olimpíadas? Não vai dar certo. Michel Teló vai tocar lá fora? Ai que vergonha...    
Entrevistei o professor de antropologia Claudio Bertolli Filho sobre como o brasileiro via a Copado Mundo de 2014. Uma das respostas, sobre a auto-imagem do brasileiro, é tão foda que mereceria ser emoldurada num jpeg de compartilhamento do facebook: 

A auto-imagem é um fenômeno complexo, fruto de uma negociação realizada entre a identidade requerida por um grupo e a atribuída pelos outros. Esta negociação se dá em várias frentes, dentre elas cultural, histórica, sócio-econômica e político-ideológica. Devido às relações de poder engendradas historicamente na sociedade brasileira, a tendência é, no plano da identidade requerida, o brasileiro considerar-se trabalhador, honesto, capacitado para grandes realizações, etc. No referente à identidade atribuída, é pensado como pouco sério, não afeito ao trabalho, incapaz para as "tarefas importantes". Assim, um indivíduo se percebe como trabalhador, sério, etc, mas fala que os brasileiros (como se ele não fosse brasileiro) é vagabundo, malandro, etc.
Essa lógica explica também o nariz torto do seu amigo que gosta de política quando alguém fala de futebol perto dele; o olhar de desdém daquela sua amiga fã de Almodôvar quando você comenta sobre a novela da Globo; ou os dedos nos ouvidos dos fãs de Tchaikovsky ou Metallica ao passar por uma quadra de escola de Samba. 

Essa é a pior das sequelas da colonização: pensar que aquilo que é produzido na colônia pode prejudicar o gosto refinado de quem se deu a admirar a nata do que se produz nas metrópoles. E não basta simplesmente não gostar, é preciso denegrir, negar, evidenciar o intelectualizado repúdio ao que é produzido pelos aborígenes.

Não quero dizer que somos obrigados a gostar de tudo que se produz aqui. Também não consigo mais ouvir um "ai se eu te pego"  sem querer a morte do Michel Teló. Mas precisamos ser coerentes: "Run the world" da Beyoncé não é nenhum soneto heroico também. Cadê a campanha "tirem a Beyoncé da capa da Rolling Stone que ela não representa o R&B" ? Vê, é uma questão de vira-latismo, mais que uma questão de culturas desrespeitadas.

O Brasil não vai exportar suas grandes composições: que gringo vai entender o português  da voz eloquente do João Gilberto? A gente tem uma mania de colocar os maiores expoentes da nossa música em pedestais, sem nunca escutá-los, pra depois reclamar das pessoas que acham "thererê" sensacional e se esquecem dos nossos ícones.

Uma coisa que gente como eu (incapaz de repetir um dois-pra-lá-dois-pra-cá que seja) nunca vai entender é que música pra dançar segue outras regras, atende outras demandas. Daí o Michel Teló fazer sucesso na Bélgica e o Chico Buarque não. Daí o 50 Cent ser idolatrado por aqui e o Bob Dylan nem tanto.

E por fim, amigo, até a sua mania autoritária de dizer que a música dos outros não é cultura faz parte de uma das culturas brasileiras. A mais pedante delas, inclusive.