segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Benjamin Schianberg, um obscuro filósofo do amor




O professor e filósofo Benjamin Schianberg, autor do livro “O que vemos no mundo”, esteve no Brasil e fala com exclusividade ao “Haja Paciência” sobre suas pesquisas e estudos sobre o “maior dos sentimentos humanos”

o retorno de Rôney Rodrigues

A verdade é que ninguém consegue conceituar, explicar e nem pode dizer qualquer coisas a respeito. Mas ele diz. Ele se arrisca.
Depois de uma noite regada a Velho Barreiro e uma conversa esclarecedora com Miles, grande especialista em cornulências e dores de amor, estava pronto para a entrevista. Sim, vou falar com o cara e pretendo redentar todos os amantes, cornos, desprezados, mal amados, mal-comidos, mau-comedores, pessoas com fraturas expostas na alma, gente com a garganta que só se umedece com uísque. Como eu. Como Miles.
Miles sabe mais que eu. Já leu mais Schianberg que qualquer um. Diz, antes que eu saia para a entrevista, que no amor todos são esfinges e, tal qual a lenda tebana, se os enamorados não tiverem respostas para o enigma são devorados. Sem filosofias de botequim, peço a Miles. Mas pensei que talvez fizesse algum sentido e, não fazendo, ao menos era um bonito clichê. Mas, apesar das tentativas filosóficas, Miles não tem as respostas. Eu tampouco. Saio para a entrevista na esperança de que, talvez, Benjamin Schianberg as tenha.
Até esse momento, sou apenas um distraído bêbado, ressacado e conferindo anotações em uma mesa do Café São Paulo. Em minha googleada costumeira para a entrevista, descobri que existem mais de 400 páginas que citam Benjamin Schianberg, que sua obra serviu de inspiração para uma serie da TV Cultura (“O Amor segundo Benjamin Schianberg”) e editoras o procuram para lançar seus livros no Brasil. Também foi ostensivamente citado no romance “Eu receberia as piores noticias de seus lindos lábios”, de Marçal de Aquino, que virou filme, dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca (apesar de não ser citado na película). Nada mau para um filosofo ainda vivo. Nada mau para um filosofo ainda vivo e obscuro.
Em poucos minutos Benjamin Schianberg chegará e poderá responder às minhas dúvidas numa sessão terapêutica e sentimental camuflada de entrevista. Mas, por enquanto, é o café que chega. Dou um gole, ele desce pastoso pela garganta e queima no estomago. Schianberg aparece na porta. Termino o café em uma golada só. É hora de trabalhar.

Qual é a pergunta que mais fazem?

Em que meus livros podem ajudar.

E em que seus livros podem ajudar?

Em nada.

O senhor parece ter uma visão ácida das relações amorosas e ser um cara meio amargo, fatalista, que pensa na mediocridade humana...

A vida da maioria das pessoas é medíocre, o que não as impede de enxergar tudo numa perspectiva heroica. Suportamos a existência tentando converter o banal em épico. Pense: apenas 2,4% da humanidade é feliz. Essa ínfima minoria, integrada por monges trapistas, alguns matemáticos, noviças abobadas e uns poucos artistas, gente conservada na calda da mansidão à custa de poesia ou barbitúricos. Um clube de dementes de categorias variadas, malucos de diversos calibres. Gente esquisita, que vive alheia nas frestas da realidade. Só assim conseguem entregar-se por inteiro aquilo que consagram como objeto de culto e devoção. Para viver num estado de excitação constante, confinados num território particular, incandescente, vedado aos demais. Uma reserva de sonho contra tudo que não é doce, sutil ou sereno.

E isso não é bom?

É o mais próximo da felicidade que podemos experimentar.

E por que nos seduzimos para essa “reserva” e não dominamos esse impulso que nos impele à paixão?

Se dominássemos os nossos impulsos, não seriamos mais felizes com isso, mas é certo que muita coisa seria evitada - guerras inclusive. Muitas vezes, entre os amantes, em adição às afinidades do corpo, surge uma sintonia mental, intelectual, que ao propiciar jogos, provocações e brincadeiras privado acentua ainda mais o caráter de cumplicidade na relação. Casais costumam estabelecer espaços particulares de comunicação, inacessíveis ao restante da manada humana ao redor. Intimidade psíquica. E o desejo de se apossar por completo do outro é uma das doenças mais comuns do amor. É o resfriado das moléstias amorosas.

Então cair nessa cilada seria uma loucura.
Há sempre um pouco de loucura no amor, mas há sempre um pouco de razão na loucura, diz Nietzsche, mas eu contesto: na loucura dos amores contrariados não há espaço nenhum para a razão, apenas para mais loucura. A natureza do amor, não nos permite escolher por quem nos apaixonamos, é uma rota que pode conduzir à ruína. Alguns homens sublimam seus desejos, projetando-os num plano apenas mental, e isso é suficiente para satisfazê-los. Outros, apesar de resistirem com diferentes graus de esforço, acabam por ceder às tentações. São o que se chama de “homens de sangue quente”.

Exceto se mantivermos um amor platônico e...

(Cortando-me)
...amor platônico, o 'maldito amor complacente'. Homens de sangue quente, nunca se sujeitam a esse gênero de amor. Preferem abdicar, se a situação for irremediável, a ser passivos como aqueles que se rendem à esplêndida ilusão do amor platônico.

Fale-me um pouco sobre a sua descoberta, a STTL (Síndrome de Transferência Total de Libido).

Queremos o que não podemos ter. A grande desgraça é que as lembranças não bastam para confortar os amantes. Nunca aplacam. Ao contrário: servem só para espicaçar as chagas daqueles que foram condenados à lepra do amor não correspondido. É a Síndrome de Transferência Total de Libido: quando o indivíduo se apaixona com um grau de entrega total a sua libido se transfere, de modo exclusivo, para o objeto amado.

E é aí que dá merda?
Nenhuma vida está completa sem um grande desastre.

Talvez, então, devêssemos evitar esse sentimento...

(Pensa um pouco) No reino amoroso, o 'talvez' é uma moeda sem nenhum valor.

Você me pegou. Então, pelos menos, que se corte o mal pela raiz já no começo.

Mas não é possível determinar o momento exato em que uma pessoa se apaixona. Se fosse, bastaria um termômetro para comprovar a teoria de que, nesse instante, a temperatura corporal se eleva vários graus. Uma febre, nossa única sequela divina.

Uma última pergunta. Sei que não é da minha conta, mas é algo que todos imaginam: a vida amorosa do mais obscuro filósofo do amor deve ser bem tumultuada.

Você tem razão, mas só em uma coisa: não é da sua conta.