terça-feira, 27 de setembro de 2011

Comissão da Verdade (que der tempo de ver)

O adágio popular sobre o tamanho das pernas da mentira não parece levar em consideração a História do Brasil. Cordiais por tradição, não há um conflito institucional que não tenha sido resolvido em conchavos. E todo e qualquer conchavo esconde a verdade do povo. Verdade que os representantes públicos acreditam que o povo não deve conhecer.

Lógica defendida por aqueles que rechaçam os vazamentos do Wikileaks. Lógica que escancara o fracasso vergonhoso da representação democrática, já que é impossível que a opinião de um povo seja representada em um assunto que ele desconheça seus pontos cruciais.

Tanto reclama-se da apropriação do dinheiro que financia o Estado, mas a verdade também é um bem público. Quando um político resolve seus problemas a portas fechadas, a democracia fracassa sem nem mesmo ter a chance de acontecer. Não há como se representar a quem se aliena. Isso não é diferente de patrimonialismo, uma apropriação privada de informação pública.

(E há quem defenda a legalização da profissão de lobista, que consiste em convencer um político, geralmente por meio de argumento$ sólido$ e troca de favores pessoais, a aprovar determinada medida que beneficiará grupos interessados. Assim, o político nega a participação política a seu eleitorado para representar interesses privados. É a apropriação da decisão do Estado, é roubar sua voz ao invés do seu dinheiro).

Uma manobra dessas foi supostamente necessária para garantir a Comissão da Verdade. Numa "teleconferência" realizada  em um banheiro. É utópico achar que hoje seja possível governar sem sigilo, mas quando justamente os segredos de Estado estão sendo postos á prova, transparência deveria ser uma exigência mais rígida.

É doloroso pensar que, todo o sacrifício que inclui tamanha "relativização" da ideia de representatividade, além das flexibilizações exigidas pelo DEM (Bisneto dos líderes da ditadura, pra quem não sabe: ARENA, PDS, PFL, DEM), que quer uma comissão com pessoas com condições de agir com imparcialidade - e indica o milico Nelson Jobim para participar do grupo (!?) - é só pra aprovar um cala-boca.

O STF não quis bancar o salvador da pátria e a Lei de Anistia foi mantida. Políticos criminosos da ditadura ainda estão no poder. A mídia ainda dá espaço a apresentadores ex-para-militares e colunistas que debocham das máculas do nosso passado recente. Em contraponto, teremos uma comissão da verdade para apurar Duas décadas de ditadura em ...dois anos.

Não há problema, já que a comissão será extensa, e contara com sete membros. Dá trinta meses para análise de cada membro. Acostumados com regalias, militares não precisam depor se não estiverem dispostos. E também possuem um "saída livre da prisão", uma espécie de imunidade para militar que os anistia antes de qualquer julgamento.

Parece bastante difícil de conseguir alguma coisa, né? Mas ainda é útil. Os militares podem não pagar por seus crimes, mas responderem por suas atrocidades, pelo menos, já seria alguma coisa. Todavia, o resultado dos trabalhos pode nem mesmo vir a público, depende do que considerar a comissão. Ou seja, toda aquela tensão pra, possivelmente, acabar tudo como estava.

O Estado deu dois anos pra comissão e eu acho pouco, mas na verdade pode ser ainda menos. Justiça que tarda, falha. E falha mais gravemente quanto mais tardar. Romeu Tuma já foi. Maluf, Sarney e Ustra ainda estão aqui, mas por quanto tempo? Que esses trabalhos andem logo pra conseguir fazer o máximo que se lhes permite: apontar o dedo na cara de quem cometeu abusos contra os direitos dos cidadãos. Se demorar, não vai servir nem pra isso.

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