segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Custe a quem custar


Mais um trágico espetáculo de pretensa defesa da ética, moral e família, deu as caras no humorístico CQC da Rede Bandeirantes. Já se discute a duras condenações a alucinada busca por polêmica do programa ao tentar incriminar sem crime um pseudo-criminoso por pedofilia.

Válido e sensato analisar o atual uso do programa. Iniciado com nobres propósitos de elucidação cidadã do telespectador em meio aos programas televisivos carentes de reflexão, aos poucos o CQC foi se rendendo aos padrões atuais da televisão: polêmica gera audiência, que gera patrocinadores, que trazem maior faturamento. Mercenários? É o sistema.

Ao que tudo indica, aqueles primeiros objetivos de um programa crítico foram soterrados pela fama instantânea e consequentes surtos de egolatria por parte de muitos integrantes, custe o que custar.

Alguns ganharam programas próprios, todos, seguidores de twitter, e nós ganhamos mais um humorístico sem humor que cava às profundezas do ridículo em busca da famigerada polêmica.

O aquário de egos soi-disant politizado parece estar dedicando mais tempo às festas de celebridades e adulando globais que propriamente buscando a tal elucidação política custando o que custar.

Quando muito, o quadro dedicado a módico esculacho de autoridades irresponsáveis vai a distantes cidades, onde tais autoridades são conhecidas pelos 15 mil habitantes locais. Peixe-grande é muita areia pras moscas que “correm atrás”.

E nessa cadência de evitar figurões ou só atormentar os sempre unânimes Renan Calheiros, José Sarney e Fernando Collor, se escondem os rabos presos dos paladinos televisivos da ética.

Qual cobertura deu o CQC e quais autoridades o CQC inquietou, quando o Código Florestal estava em pauta? Vale lembrar que a Rede Bandeirantes acolhe a pecuária e o agronegócio e dedica, inclusive, um canal a tais atividades. Além de editoriais telejornalísticos devotos do grande latifúndio. Onde estavam os defensores do Brasil e seus óculos escuros? Numa fazenda, talvez.

Além de pautas cada vez mais voltadas ao frívolo, como acirradas, excitantes e atraentes pelejas de bola ao balde, piadas batidas e de final esperado, constrangedoras lambidelas em celebridades, claras sujeições a peixes grandes e gracinhas com figuras como Bolsonaro e Maluf, o programa funciona de pedestal para a torrente de ninharias evacuadas por mentes supostamente geniais, caso do âncora Marcelo Tas, que esconde argumentos pouco fundamentados em censuras clichês e partidarismo exacerbado.

Tudo indica que essa é a linha mestra do programa: críticas unânimes, sem novidades, por rabo preso e sujeição hierárquica. Obsessão por uma indignação baldia, cujo pano de fundo é a cobertura de festas de celebridades que, muitas vezes, alimentam os problemas criticados. Baluarte de egos inflados do humor fácil, muitas vezes preconceituoso, da suposta inteligência alastrada twitters afora.

Mas, agora, também a insana caça por audiência, por patrocínio e rendimentos, custe a quem custar, sem responsabilidade ética, sem claros propósitos positivos e tudo em nome do circo televisivo, como um programa de TV qualquer.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A gente não quer só comida


Em “Bolsa sim, ‘emprego’ não”, intentei desenhar, em linhas gerais, uma critica às moralistas e recorrentes reprovações feitas aos programas sociais do governo federal. Para além de uma defesa pura das bolsas, endossei um ponto de vista fundamental dos assistidos por esses programas. Condenei o chavão do trabalho como obrigação moral, realçando a incoerência dos que criticam os socorridos com dinheiro público.

 
Foto: iG
Mas tudo isso pode ser bem considerado no próprio texto, inclusive a alternativa à inumana ideia de “emprego”. Sem um trabalho que faça sentido, até o mais rabugento dos críticos às bolsas rogaria ajuda governamental. Ou não, continuaria na cega subordinação, tendo apenas o salário como recompensa. Conformismo crônico, morbidade moderna.

No entanto, também está presente no supracitado texto a observação de que a política de benefícios sociais através de bolsas não é a ideal. E não o é por não tocar na estrutura. Por mais que milhões de pessoas passem a ser economicamente ativas, seja lá o que isso valha, esferas cruciais da justiça social não são contempladas.

É o caso da educação, unânime base para tudo. Houve um aumento do acesso a universidades, privadas, com enriquecimento da população. Mas não se assegura qualidade quando a educação se torna alvo de uma população economicamente ativa, consumidora. Torna-se produto, consumo, coisa.

 A crítica à política de bolsas deve delatar o enorme risco, paternalista e eleitoral, de um assistencialismo crônico. Não que os assistidos se acostumem ao benefício, mas que o governo se limite a dá-lo.

Quanto ao imperativo cidadão do acesso à educação, tem sido de grande sentido a mobilização das universidades federais em torno de condições docentes e discentes decentes. A maior mobilização do tipo no país não tem sido considerada nem pela grande mídia, nem pelo governo.

A paralisação tomou proporções alarmantes e tem tocado em feridas abertas há séculos na terra brasilis. Não se faz um país sem bem formados cidadãos. Não se faz um povo sem bem formados profissionais. Não se faz um Estado sustentável sem um protagonismo da educação.

Para tanto, não só não basta o acesso a universidades privadas, como também esse acesso perverte o propósito da educação. Direito do cidadão e dever do Estado.

Dever e interesse. Afinal, com bem formados e remunerados médicos, biomédicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas e afins, a universalização da saúde pode ser atingida, com propósitos mais humanos e menos comerciais. Com bem formados e remunerados professores e pesquisadores, as metas de educação serão realidade, sem o abismo de segregação entre escolas públicas e privadas, e com ênfase à produção intelectual crítica e acessível.

No entanto, os frutos desse cultivo são de longo prazo. Desinteressantes num país cujo sistema político ainda é sujeito aos humores eleitorais.

Não se justifica a postura pouco diligente do governo federal em, primeiro, discutir a situação com os sindicatos dos docentes das universidades federais e, segundo, trabalhar propostas que deem conta das reais necessidades do ensino superior público. Em planos ousados.

Espanta, ainda mais, toda a intransigência exposta pelo MEC desde o início da mobilização. Afinal, os que lutaram pelo direito à greve e inclusive à educação gratuita e de qualidade num Estado justo, hoje comandam um governo com pouca disponibilidade a negociações.

Um governo que ainda se rende à anacrônica estrutura das alianças e lobbies em oposição à sustentação popular. Um governo que deveria aumentar seu percentual de investimento na educação para mais dos 20% atuais, deixando a estados e municípios, entes desconhecidos muitas vezes, o restante.

O PL8035/2010, Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020, aguarda recursos na câmara. Até então prevê 10% do PIB para a Educação, uma dura conquista contrariando o plano inicial do governo.

Os programas sociais são essenciais pra um povo que carrega o fardo da desigualdade há 5 séculos. Mas sem condições de trabalho, desenvolvimento e acesso à educação pública e de qualidade, as mesquinhas críticas ao comodismo das bolsas tendem a ganhar razão e certo apoio na realidade.