sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A decência do abstrato


"O Pensador" do escultor francês
Auguste Rodin.

Retomando a nociva secção do saber em tecnologia e ciência humana, julgo adequado sempre ressaltar o papel desta última na vida prática. Quanto àquela, não há equívoco quanto ao seu valor concreto, afinal ela limita-se à práxis.

Particularmente, me motiva essa empreitada a velha e equivocada ideia de que, no âmbito das humanidades, pouco se pode fazer de palpável, de sensível. Jaz aí um terrível engano que, não só limita o acesso aos subsídios que a filosofia e as ciências humanas podem prover ao viver coletivo, como também promove um refúgio às digressões intelectualoides dos semideuses filósofos abstratistas.

Durante boa parte da tradição filosófica ocidental, a questão que impelia filósofos como Hegel, Kant, Platão, Descartes, Aristóteles, Berkeley e tantos outros era a que concernia à forma do conhecimento, à gnosiologia. Muitos dos que hoje se formam em filosofias, psicologias ou sociologias se refugiam em teorias e máximas contemplativas para não agarrarem com as unhas suas responsabilidades ante as lamentações oriundas da realidade material.

Má fé, meus caros, num vocabulário “sartreano”. O que quero dizer com todo esse palavreado é que, ainda hoje, muitos que têm o poder de propor mudanças significativas e o conhecimento para pensar em alternativas mais justas e sustentáveis à coletividade, preferem vender livros discutindo a moralidade do mundo. Meras teses e antíteses contemplativas, inúteis devaneios teóricos et similia.

Nessa onda se encontram os acadêmicos contestadores de qualquer coisa, contanto que permaneçam platônicas suas discussões. Quando surge um evento polêmico, lá está o contestador acadêmico a botar lenha na fogueira, menos por promover uma discussão frutífera do que por desfilar suas pompas de erudição. Às favas com a erudição, nobres doutos!

E a classe pseudo-intelectual, a da má-fé do pensar por si própria, rende louvores aos semideuses da aparentemente ilustrada contestação, por mais que essas ponderações não tragam benefício algum.

Recentemente o renomado Luiz Felipe Pondé argumentou, na sua coluna de segunda na Folha de S. Paulo, que a característica das ciências humanas é quase não ter utilidade prática. Qual seria, então, a utilidade da utilidade teórica, não fosse sua obrigação moral com a prática? O filósofo, que é “contra um mundo melhor”, ostenta um malabarismo de teorias baldias sem se responsabilizar pelo seu prestígio na praça.

A fala de Pondé tenta dar um xeque na frutífera discussão sobre polícia, Estado, sociedade e educação que aflora na FFLCH. De um lado o debate sobre os aparelhos de estado, sua consequência prática e a educação, colocando Pondé e a inutilidade prática de sua produção num lugar só dele, de outro o praticamente (de prática) inútil discurso de Pondé reproduzindo a inutilidade de suas teorias contemplativas.

Pensamos em como mudar o palpável ou seguimos o caminho de Pondé e trocamos farpas argumentativas que nos rendem louvores da pseudo-intelectualidade mas não mudam a condição social de ninguém?

A intelectualidade se reproduz no plano das ideias, nos colóquios sobre teorias que valem a um grupo específico ou outro. Refúgio de muitos filósofos abstratistas. É mais fácil e menos comprometedor escrever sobre algo impensável que não traga frutos tangíveis do que se responsabilizar pela sua erudição e botar a mão na massa. Até porque, politicamente, a era do rabo-preso assombra os pensadores de horário nobre.

Muito abstrato isso tudo? Pois bem, pensemos e ajamos para melhorar nossa vida coletiva, em vez de debater a animalidade do desejo ante o fatalismo humano ou qualquer enleio divagante que o valha. Pois o meditativo das ciências humanas tem, inexoravelmente, dever moral ante os prantos da práxis. E a decência do abstrato está em existir para o concreto.

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