domingo, 29 de julho de 2012

Sejamos "sujos"


Em poucos momentos antes, na história deste país, a liberdade de expressão foi tão atacada, em regimes democráticos, quanto nos recentes tempos. Com eleições municipais tomando os ares da socialização virtual, fanatismos, partidarismos e mesmo críticas responsáveis são duramente atacados pelos atacados, pelos ofendidos. É o tempo de se pensar em política, lamentavelmente.

Com lamento porque não há tempo para se pensar em política. Essa se vive, dia-a-dia, inescapavelmente. Ou nunca reclamamos da corrupção por pensar em política a todo tempo, ou reclamamos da corrupção a todo tempo por nunca pensarmos em política. Questão de escolha e compromisso, individual e coletivo.

Mas como o processo eleitoral é bienal, a mesma frequência se vê nas acirradas disputas registradas em blogs e redes sociais. É tempo de se tirar a indumentária de cidadania do armário, por mais que seja só para rosnar os já cansados "palhaçada", "ladrão" e choros similares.

O que move o posicionamento político em período eleitoral pode assumir diversas e caricatas facetas:

Há os cegos militantes que defendem alianças sinistras a qualquer custo, vítimas de um sistema partidário anacrônico que alimentam..

Há os cegos militantes que culpam os outros pelas mazelas criadas por seus próprios representantes, vítimas da má-fé e da cumplicidade, por vezes criminal.

Há os cegos eternamente chorosos, que papagueiam que horário político é cardápio de ladrões e que voto não muda nada, só há corruptos, vítimas da preguiça e do narcisismo.

Mas há, escassos, os que a todo momento pensam em política e carregam razões, feridas e esperanças em anos de eleições. Numa análise não muito científica, pode-se constatar que desses, a grande maioria pode ser considerada "suja" pelos recentes e renhidos ataques da campanha José Serra.

Dos principais alvos da colérica birra da campanha tucana, constam os jornalistas PH Amorim e Luis Nassif. Mas creio ser grande a lista dos que reivindicam um espaço nesse leque dos "sujos". Eu mesmo me coloco nesse hall, com a modéstia pra escanteio.

Me considero sujo por usar um espaço público e um direito constitucional para me pronunciar  e me manifestar politicamente. Já compus algumas vírgulas sobre a precária carreira política de José Serra, neste mesmo blog.

A ideia é prosseguir na função, da crítica, da revelação, da denúncia, do debate. Por que é de liberdade de expressão, de informação e de pensamento que também se faz um país, se faz um povo.

Sejamos sujos por não aceitar a sujeira de São Paulo. A sujeira de aventureiros imobiliários, do predomínio absoluto do transporte individual, a sujeira da ausência de coleta seletiva e das sujas fichas públicas dos que reinam na suja Pauliceia. Enfim, sejamos sujos por querer limpar.

Sejamos sujos, mas não na acepção asséptica da palavra, tão presente, por exemplo, nas mucosas nasais. Sejamos os sujos de Serra, os lobos do lobo, os “nazistas” dos que beiram o nazismo. Não por fanatismo partidário, cega obediência ideológica. Mas por tato do dia-a-dia, pé na realidade e vergonha na cara.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Bolsa sim, “emprego” não!


   
Foto: Felipe Gesteira
Desde a instituição de programas sociais como o Bolsa Família pelo governo federal, a imaculada ala dos corretos chia com a concessão dos benefícios: “bolsa-esmola!” bradam os infecundos críticos de qualquer coisa; “Só querem bolsa, trabalho nada!” impugnam os incorruptos advogados da moral classemedista.

No entanto, mesmo estufando o peito com ares de exegetas político-sociais, de nada sabem esses presunçosos desinformados das coisas palpáveis, do alto de seus apartamentos, carros, celulares e Facebooks.

Criados em ambientes confortáveis, tendo televisor toda vida, computadores, educação e lazer à altura das mimadas mãos, jamais sequer imaginaram os perrengues por que passam romarias de despojados que nascem, vivem e morrem pobres, há séculos, sobre o chão brasileiro.

Não é a intenção moralizar. Mas não são válidos, muito menos éticos, comentários cotidianos boiando na superficialidade do conhecer humano. A tendência dos que são contrários aos programas de transferência de renda é a de repetir um discurso desbaratado, carregado de moralismo e sem pé na realidade. Isso porque julgam o caboclo pobre dos rincões nacionais à luz de seus quartos aconchegantes e bem decorados.

Exemplo semelhante veio das doutas mãos de Luiz Felipe Pondé, ao criticar os que analisam a realidade dos indivíduos tendo o social como pano de fundo. Sem entrar em pormenores, o venerado filósofo do horário nobre considera sensato supor a realidade de indivíduos socialmente oprimidos do alto de seu confortável habitat nos Jardins, Higienópolis ou arredor análogo.

É fácil, e cômodo, descortinar o chavão de que fulano vai se acomodar com o dinheiro, não vai querer trabalhar e, por grosso silogismo, vai viver à custa do Estado. Esse raciocínio é inocente, ou farto de uma deletéria lógica “arbeit macht frei”.

Inocente, pois boia na onda e repete, papagueia simplesmente. Ecoam por essas vazias mentes também urros de “político é ladrão”, “Fora Sarney!” e, mais recentemente, um obsessivo “#vetaDilma”. Como são, por que são e quais as intenções de ser desses programas de transferência de renda são enigmas abstrusos e insolúveis para quem está mais empenhado com seus próprios apetites.

Quanto à honra do “trabalho liberta”, não há aforismo mais anacrônico. E, como os da inocência, os que agitam essa bandeira não enraízam suas convicções. São aqueles que cobram corte de bolsas porque o “pobre acostuma”, e apontam o dedo condenando o cidadão ao batente. “Vai trabalhar, vagabundo!”. Mas são também esses indefectíveis críticos que resmungam de segunda-feira, do trânsito e do fatal e maldito final do fim-de-semana.

Não há argumentos que sustentem, sob o ponto de vista da saúde do ser humano, o emprego como algo que liberte, engrandeça ou garanta uma vida saudável para um e para todos.

Os que defendem trabalho assalariado para os beneficiados por programas sociais, além de carregarem uma moral do lucro, para regozijo daqueles que verdadeiramente lucram, ainda passam longe da compreensão do ser humano como autor de sua própria vida.

Essa repreensão sequer reflete sobre o sentido do trabalho. E, mesmo reclamando do patrão e das outras cruzes de suas próprias atividades remuneradas, essas críticas almas repetem incessantemente o adágio da moral “vai trabalhar!”.

São falsas muitas das condenações ao Bolsa Família. Não é o programa ideal. Mas num país (leia-se cidadãos, governos e setor privado) que cultivou, e ainda cultiva a desigualdade econômica, política, social e cultural, essas medidas são urgentes.

Urgentes para que muitos brasileiros tenham o que comer, como se vestir, como comprar remédios, tenham condições de estudar. São medidas urgentes para se criar condições nas quais os beneficiados possam crescer. Mas só crescerão de fato quando a moral do emprego assalariado der lugar ao movimento pela cidadania, pelo trabalho coletivo, cooperativo, social e com sentido para o cidadão, para o povo e para o Brasil.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Vida de assalariete

As empregadas domésticas do fantástico mundo
da Globo são popstars. Mas na prática a teoria é outra.
Por fonte não muito confiável, a própria emissora, tomei conhecimento do aloucado, delirante e cavalar enfeite deitado sobre o trabalho de empregada doméstica numa das novelas globais. As “empreguetes” acordam cedo, moram longe do emprego, pegam condução cheia, enfrentam o desdém da patroa, a exploração das filhas da patroa, só conseguem pensar no sofá de casa e, mesmo assim, viram superstars.

A boa e velha ode ao trabalho servil, sofrido, mal pago, sem sentido e sem futuro. Não é de hoje que a Rede Globo exalta e decora fantasiosamente o sofrimento diário e de toda vida do assalariado, ou assalariete.

Em novela recente, uma dona de casa enfrenta preconceito do filho, dificuldades financeiras, trabalho exaustivo e toda espécie de fado de qualquer outro trabalhador. E, como também calha diariamente a qualquer outro trabalhador, ganha na loteria.

É chique ser assalariete, dá até na novela. Você que tem empregada doméstica na sua residência seguramente já parou para refletir sobre o trabalho da moça que lava seu vestuário íntimo. Se não, tente, pelo bem da sua consciência. As profissionais reais vivem uma rotina sem brilho.

Arte que institui e adorna o abismo social que predomina no país deve ser contestada. As atrizes Taís Araújo, Isabelle Drummond e Leandra Leal podem ser chamadas de “Cheias de Charme” sem muito receio da névoa da imprecisão.

Mas a questão é se vale a pena interpretar empregadas que viram estrelas, ou se mesmo podem representar as empregadas domésticas espalhadas pelo Brasil.

Não que estejam moralmente impedidas de interpretar. É da natureza de profissionais cênicos encararem os mais contrastantes papéis. As mais diversas realidades. Além de todas as três carregarem experiência e reconhecimento, são grandes profissionais.

Mas transmitir, com luxos excêntricos, o júbilo de enfrentar desdém, exploração, transporte ruim e rotina desgastante, foge ao bom senso e mesmo à realidade que desejam representar.

As gatas borralheiras contemporâneas pintam conquistas na irrealidade, no imaginário. Ao mesmo tempo, a realidade palpável da emissora que faz o circo é a de atalhar sucessos das pessoas representadas em suas novelas. Fazer sonhar é mais rentável que realizar sonhos. É o sistema.

É tradição do “padrão Globo de qualidade” pintar, com as melhores cores, as tragédias nacionais. Foi assim durante o Regime Militar com manipulação de notícias e imagens; é assim com o jornalismo partidário e encobridor da corrupção envolvendo parceiros da emissora; e naturalmente, pelo mesmo caminho, segue o entretenimento de antolhos que conforma o assalariete à sua devida condição, tão promissora na ficção.