Jean-Jacques Rousseau |
Um pouco
mais cedo, antes de Cristo, a civilização grega gozava de um sistema político
que perdura por mais de 200 anos depois da morte de Rousseau: a democracia. A
ágora era o espaço público principal da pólis:
mercadorias eram comercializadas, julgamentos populares eram realizados e,
sobretudo, era o lugar onde todos os cidadãos (homens adultos livres, na época)
discutiam política e tinham direito a voz e voto. Mais precisamente, como conta
Aristóteles na Constituição de Atenas,
a assembléia, ou ekklésia, era o
lugar em que os cidadãos se reuniam para deliberar os destinos da pólis.
A principal
tese de Rousseau em seu Discurso sobre a
origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens é a de que, quanto
mais “aperfeiçoado” e distanciado está o homem de sua condição natural, mais a
desigualdade tende a crescer. Num dos melhores adágios dessa sua resposta ao
concurso da Academia de Dijon, Rousseau professa que todos os males dos homens
em sociedade vêm muito mais de seus erros do que de sua ignorância. Para o
ilustre pensador genebrino, que também alicerça a crítica à propriedade privada
antes de muitos, a sociedade corrompe o homem natural e é a geradora da
desigualdade.
Um pouco
mais tarde, ao cair de 2011 d.C., os interessados no destino do mundo se
surpreenderam com a decisão do governo grego de realizar um referendo para
aprovação do pacote de austeridade, honrando um dos melhores legados que aquele
povo nos deu. A surpresa durou pouco: o referendo foi suspenso logo em seguida.
A ágora grega de outrora perdeu seu caráter democrático para a perversão do
progresso gerador de desigualdades. Rousseau, que também escreveu n’O Contrato Social a imprescindibilidade
da voz e voto de cada cidadão nos destinos da sociedade, hoje poderia reprochar
com a humildade que lhe era peculiar: “Je
vous ai averti!” (Eu lhes avisei!).
Foto: Sapo.pt |
Na Grécia de
ontem, homens adultos e livres decidiam diretamente os destinos da pólis, pois
eram cidadãos. Na Grécia, e no mundo, de hoje, os bancos, investidores e as
grandes corporações, “1%”, herdaram a cidadania de todos e concentram para si
os destinos de todo o planeta. Um irretocável e invejável aperfeiçoamento da
democracia!
Século a
século a ágora ruiu. Agora, ou a reconstruímos, ou ficamos com o “nunca” desse depravador
progresso. Pois os ventos da história, via Éolo, hão de sempre ecoar e nos
provocar:
“Je vous ai averti!”
Um comentário:
Lindo texto.
Todas essas pasteurizações históricas e hoje 1% "herdou" o que um dia chamamos de governo de todos. Democracia parlamentarista/representativa/whatever usurpa o nome da real democracia.
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