sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Reificação do alunado paulista


Pôster de Modern Times (1936), filme
em que Chaplin estava inserido no mercado
de trabalho, mas não podia ter aulas de
democracia. Foto: IMDB
Não há, no léxico, palavra mais traiçoeira que “progresso”. E o progresso vem mesmo do trabalho, como lembrava Adoniran. Mas que trabalho? Que progresso?

Há máximas veiculadas pela tradição socioeconômica que enaltecem o trabalho baseadas no modo de produção dessa mesma tradição, como “O trabalho engrandece o homem”, mas que trabalho é esse?

O trabalho assalariado surgiu com a expansão da produção e do consumo de mercadorias provocados pela Revolução Industrial. Até então a atividade produtiva era doméstica e, antes disso, artesanal, envolvendo tanto o artesão quanto o aprendiz. O capitalista, proprietário dos meios de produção, tal como o conhecemos, vem do nascer das fábricas.

Karl Marx (1818-1883) em seus Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 explica a situação do artesão que vê sua produção ser dizimada pela pujança da nascente fábrica. Restam apenas ao artesão duas possibilidades: vender sua capacidade produtiva ao capitalista ou morrer.

Duro dilema, mas o artesão vendeu sua capacidade produtiva. Troca seu trabalho, sua atividade vital, por dinheiro. “E o que é a vida senão atividade?” expõe Marx na obra supracitada. A essa venda da atividade vital do trabalhador, Marx, grosso modo, dá o nome de alienação. Venda, troca, o único produto que o trabalhador possui é sua atividade, que se torna mercadoria. O trabalhador se torna mercadoria, é “coisificado” ou reificado.

Ora, há anos tenho acompanhado pesado investimento, por parte do Governo do Estado de São Paulo, em formações técnicas, tecnológicas e cursos geradores de emprego. É quase o tecnicismo educacional dos anos 70, de chumbo.

A política de expansão das Fatecs, Etecs e a criação do “Via Rápida” contrastam com o pouco prestígio de cursos onde o pensamento de Marx, e de qualquer outro teórico da política e sociedade, é veiculado. Não tenho acompanhado a mesma expansão de cursos de humanas, ciências sociais, ciências políticas e formações afins.

Concordamos, apagão de mão de obra qualificada exige formação de trabalhadores aptos. Mas, e o pensamento crítico, permanece esquecido? É melhor permanecer, já não basta o que tem provocado na USP com a “fedidíssima e decadente FFLCH”, como disse o politizado de horário nobre Marcelo Tas.

Política educacional pode ser cruel se não a analisarmos em seus detalhes ideológicos. Há anos o governo de São Paulo tem investido na formação para secretariado, soldagem, especialização em gestão empresarial e afins nas Fatecs; mecatrônica, química, calçados, móveis, tecelagem, hospedagem  e afins nas Etecs; ajudante de cozinha, pintor, maquiagem, pizzaiolo, operador de máquinas para transformação de borracha, eletricista instalador e afins no “Via Rápida”.

Há oportunidade para todos, mas para ser assistente de logística portuária, soldador básico ou eclético e tratorista agrícola. E para alternativas menos mercadológicas, como ser um cientista político, jurista, um sociólogo, para profissões que pensem a sociedade para além de seu valor de uso?

A segregação é silenciosa, a reprodução da vassalagem sutil e a produção do pensamento crítico é abafada. A própria educação é reificada nesse processo. Como é que poderemos ter aula de democracia se faltam os cursos para isso?

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