sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Um país para inglês ler

Uma "passagem desbotada na memória das nossas novas
gerações" que vem à tona na mídia internacional. 
Yes, nós temos prestígio internacional. Por sermos uma nação que cresce em diversos sentidos, crescem igualmente os olhos do mundo sobre nosso país. No entanto parece que só temos clara consciência ou clara informação disso quando estrangeiros relatam as mudanças em território brasileiro.

Não é questão de vaidade. Tampouco de orgulho nacionalista, patriótico. Mas certos fatos contados na terra brasilis são sufocados pelo oligopólio da informação. Em boa parte das vezes, a melhor fonte de informação sobre nosso próprio país é a “foreign press”.

Tal foi o caso da famigerada crise na USP. A impecável grande mídia nacional compartilhou o conservador discurso da meia verdade. Abusou da maconha, da reintegração de posse e dos “baderneiros” e “vandalismo”. Quase sem distinção, como há muito se faz. Informação em pacotes. Só muda o embrulho da emissora ou da redação.

Tal não foi o caso da CNN, que contou que a USP foi tomada por policiais e ainda expôs algumas das reivindicações estudantis, como a retirada da PM do campus e uma maior dignidade no trato com a educação:


No mesmo episódio, até a Fédération des Syndicats SUD Étudiant, na França, dedicou uma nota mais elucidativa que toda a produção da grande mídia brasileira. Eles sabem mais do que nossos grandes jornalistas ou eles tem mais responsabilidade frente à cobertura dos fatos? Entendem mais sobre educação e sobre o papel de uma universidade na sociedade, como bem demonstrado.

Pouco se fala, na grande rede midiática nacional, sobre a importância ética e histórica da criação da Comissão da Verdade. Lá fora não acontece o mesmo. Manuela Picq, na Al Jazeera, deu uma aula de jornalismo aos nossos rabos presos das grandes redações, mostrando a importância das comissões da verdade e do reflexo dessa posição do Estado sobre o processo democrático de uma nação.

Por mais que a nossa Comissão possa ser "para inglês ver", o assunto é profundamente exposto para além de nossas fronteiras.

São alguns exemplos de como a realidade crítica e polêmica do Brasil dobra os sinos gringos. Sobretudo, como certas questões são discutidas por um jornalismo livre das amarras de abstrusos acordos entre imprensa e sociedade política. Assuntos explanados de maneira mais clara, imparcialmente internacional.

O francês Le Figaro já em uma manchete destacou a flexibilização da proteção florestal no país com a tenebrosa reforma do Código pela câmara federal, coisa que a ruralista Band jamais faria, muito menos o pseudo ultra politizado CQC.

O espanhol El País também destacou a aprovação do Código Florestal pelo senado, realçando que, aprovando a anistia aos desmatadores, o Brasil dá “um recado contraditório ao resto do mundo”.

É tétrico, nobre cidadão. A ironia ronda nosso acesso à informação. Para compreender melhor o nosso próprio país, necessitamos saber inglês, espanhol, francês e sabe-se lá o que estão contando em russo sobre o Brasil. Conhecer outro idioma para ter clareza do que sucede na própria pátria merece um trecho de realce na série “Oximoro, nosso tropo”.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

No rastro federal


Prédios dos ministérios em Brasília. Com um bloco
de notas nas mãos e um ministro na cabeça,
os inspetorescaçam testemunhas. Foto: Orlando Brito

“E agora, qual ministro investigamos?” Essa batida frase deve ser repetida a cada queda de ministro na sala da justiça da grande imprensa nacional.

No rastro federal seguem os Holmes das redações, os Dupins dos editoriais, os detetives ávidos pelo furo. Aliás, conhece alguém que pode incriminar algum dos ministros? Toma meu cartão e aventamos contrapartidas.

Não que seja errado, pelo contrário. Jornalismo investigativo deve estar a serviço da população exatamente por essa trilha. Já passamos tantos anos anestesiados com a corrupção aqui e acolá quando o papo é política. Nada nos surpreende.

Mas sete ministros? É muita corrupção, não é?

Talvez, caro cidadão. Os ministros caíram como suspeitos. Alguns com comprovada irregularidade, caso de Pedro Novais (PMDB) e Carlos Lupi (PDT). E os demais, houve investigação jornalística depois da queda? Uma nota aqui, outra ali. O importante é cair.

Mas no rastro federal eles prosseguem. Os Poirots no planalto central, os Clouseaus atrás das ONGs e de suas prováveis irregularidades. Lupa na mão e gravador no bolso. A primeira fagulha de suspeita vira sermão acusatório. Implacabilidade.

Segura Negromonte! Já não basta a má fama do seu partido, se aparece irregularidade com seu nome, a defenestração é sumária. Os inspetores seguem seu rastro, em Brasília e em Cuiabá.

E traga às claras, Pimentel. Onde há a fumaça da suspeita há o fogo mortífero dos, por assim dizer, paladinos da ética da oposição direitista. Que papo é esse envolvendo sua consultoria?

A sala da justiça da grande imprensa deve ter informantes pela esplanada. Ou melhor: só deve ter informantes na esplanada, nesse nosso rastro federal.

Agora, imagine você se o Kassab fosse ministro. Com a chuva de suspeitas de fraudes contratuais envolvendo a Controlar. E o que dizer do secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente da Pauliceia, Eduardo Jorge? Seu cargo é o mesmo de um ministro, mas no plano municipal. Em virtude disso seremos mais brandos?

E nas demais capitais, nos estados da federação, a seguir o exemplo paulista, será que só há corrupção no rastro federal?

Um dos principais motivos da numerosa queda de ministros nesse ano não foi meramente a corrupção. Essa nossa ancestral conhecida não discrimina instância governamental. Ela faz folia no plano federal, no estadual e no municipal. Ela homenageia Montesquieu e dá suas caras nos legislativos, nos executivos e no judiciário.

Os ministros caem porque subiram sob o abjeto regime de coalizão governamental. E é assim em qualquer canto. Os coligados do vencedor só precisam de uma piscadela para arrebatar cargos do alto escalão. Vencemos juntos, governamos juntos. Acordo tácito.

O problema é que são escolhidos os caciques, os figurões de cada partido coligado. E repito: é assim na União, nas unidades federativas e nos municípios. Velho costume.

Elementar, caro cidadão. Que caiam os que precisam cair. Mas e os demais secretários estaduais e municipais pelos desconfiáveis becos da política nacional? Tantos suspeitos, como em qualquer conto policial.

Fiquem atentos, nobres detetives de diários, tablóides e periódicos. Há mais rastros a seguir pela noite, pois se esses são preteridos, a suspeita pode cair sobre vocês.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

“Vai virar mar”?


“O homem chega e já desfaz a natureza
Tira gente, põe represa
Diz que tudo vai mudar”

Sá & Guarabyra lançaram “Sobradinho” em 1977, cantando os efeitos da construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho no Velho Chico, próxima às igualmente musicais Juazeiro (BA) e Petrolina (PE).

Sobradinho demorou seis anos para ser construída, alagando uma área total de 4.214 Km² do sertão baiano. Completando a ficha do empreendimento, a usina tem capacidade de gerar 1.050 MW e é gerenciada pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), uma empresa da Eletrobrás e responsável, também, pela famigerada Belo Monte.

Na década de 1970, o governo militar ainda construiu pela goela da população a Usina de Itaipu, alagando o Parque Nacional de Sete Quedas no Paraná.

Belo Monte tem se mostrado um empreendimento polêmico. Impacto qualquer obra tem. Seja ele ambiental, social ou ambos. Adquirimos o costume de questionar impactos socioambientais quando entidades competentes também questionam. Até certo ponto é saudável assim proceder, mais saudável ainda é conhecer de perto a situação.

Há algum tempo foi copiosamente veiculado um vídeo no qual atrizes e atores da Rede Globo apresentam, de certo modo, os efeitos da construção da Usina de Belo Monte. Repito: o vídeo foi fartamente divulgado, anexado a mensagens de indignação pelas redes sociais.

Cacique Raoni, líder caiapó na região do Xingu.
Que não "chora ao saber que Dilma liberou o início
da construção de Belo Monte", como diz o suspeito
boato, mas por um parente.
Ora, a polêmica de Belo Monte remonta a décadas correntes. E o empreendimento já começou. Mas, para além do seminário nota 5 dos globais, muitas questões estão em jogo.

O acerto do fornecimento de energia. Usinas hidrelétricas produzem energia limpa sim. Esse é um ponto positivo da construção de Belo Monte. Enquanto observamos o risco nuclear da construção de Angra 3, contra a qual os globais não produziram vídeo algum, geração de energia limpa é a alternativa.

O erro socioambiental. Aqui reside o primeiro erro de Belo Monte. Na região da Bacia do Xingu residem 28 etnias indígenas, quase 20 milhões de hectares e cerca de 20 mil índios. Além do impacto ambiental em grandes proporções com o alagamento, os índios residentes precisarão abandonar a região e Altamira já vê sua criminalidade e marginalidade aumentarem. Inicialmente o projeto de Belo Monte traria mais danos ambientais, reformas foram feitas, mas ainda há muito com o que se preocupar.

O erro público. Pouco diálogo houve com as comunidades indígenas do Xingu e com os ribeirinhos. A Funai os ouviu, já o Congresso Federal não, ainda assim autorizou. Mesmo sem as condicionantes ambientais para a construção de Belo Monte, o Ibama também autorizou. A “Licença de Instalação Parcial” emitida pelo órgão no começo desse ano foi contrária à própria existência do Ibama, que deveria fiscalizar o integral cumprimento das condicionantes.

O erro político estrutural. Em janeiro de 2008 o presidente Lula nomeou Edison Lobão para o cargo de ministro de minas e energia. Um advogado. Mais do que isso, um PMDBista com longa trajetória pela nossa já conhecida quadrilha ARENA-PDS-PFL-DEM. O erro foi político estrutural porque obedeceu ao péssimo hábito do presidencialismo de coalizão. Lobão é cacique e administra um setor técnico vital para o desenvolvimento do país.

O erro cultural. Questões como a de Belo Monte nunca foram amplamente divulgadas no Brasil. Em 1980 a Eletronorte iniciou estudos de viabilidade técnica na região de Altamira. Em 1989 houve o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, já com protestos e claro sinal de desagrado dos locais com a construção da usina. Nenhuma novela contou essa história, e as informações passadas pelos jornais jamais te colocaram a par da situação e solicitaram sua mobilização.

O erro político. Há muita coisa envolvida em Belo Monte, mas pelo nosso histórico erro cultural, pouco sabemos e, desinformados, pouco pudemos fazer até então. Há interesses econômicos de construtoras, há interesse governamental de geração de energia, há interesses partidários em desgaste público de adversários, há interesse de sobrevivência dos residentes nos locais. E a mobilização começou tarde e de forma lamentável.

Reconquistamos a democracia há mais de 20 anos. Desde então muita coisa tem acontecido e sempre tivemos oportunidade de repensar o país. E ainda temos. Angra 3 e Belo Monte estão sendo construídas, o código florestal está sendo votado a conchavos no congresso, índios e camponeses têm sido assassinados por serem contra os interesses econômicos dos grandes e culturalmente fomos educados a não olhar para tudo isso. Esses acontecimentos não cabem no horário nobre.

Na próxima vez, não espere uma celebridade aparecer com meias-verdades para se mobilizar. E não acredite em qualquer informação veiculada em redes sociais. Comece a tornar sustentável sua mobilização socioambiental. Ou não só Sobradinho vai virar mar, mas também a Grande Volta do Xingu e a nossa consciência coletiva.