sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

“Vai virar mar”?


“O homem chega e já desfaz a natureza
Tira gente, põe represa
Diz que tudo vai mudar”

Sá & Guarabyra lançaram “Sobradinho” em 1977, cantando os efeitos da construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho no Velho Chico, próxima às igualmente musicais Juazeiro (BA) e Petrolina (PE).

Sobradinho demorou seis anos para ser construída, alagando uma área total de 4.214 Km² do sertão baiano. Completando a ficha do empreendimento, a usina tem capacidade de gerar 1.050 MW e é gerenciada pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), uma empresa da Eletrobrás e responsável, também, pela famigerada Belo Monte.

Na década de 1970, o governo militar ainda construiu pela goela da população a Usina de Itaipu, alagando o Parque Nacional de Sete Quedas no Paraná.

Belo Monte tem se mostrado um empreendimento polêmico. Impacto qualquer obra tem. Seja ele ambiental, social ou ambos. Adquirimos o costume de questionar impactos socioambientais quando entidades competentes também questionam. Até certo ponto é saudável assim proceder, mais saudável ainda é conhecer de perto a situação.

Há algum tempo foi copiosamente veiculado um vídeo no qual atrizes e atores da Rede Globo apresentam, de certo modo, os efeitos da construção da Usina de Belo Monte. Repito: o vídeo foi fartamente divulgado, anexado a mensagens de indignação pelas redes sociais.

Cacique Raoni, líder caiapó na região do Xingu.
Que não "chora ao saber que Dilma liberou o início
da construção de Belo Monte", como diz o suspeito
boato, mas por um parente.
Ora, a polêmica de Belo Monte remonta a décadas correntes. E o empreendimento já começou. Mas, para além do seminário nota 5 dos globais, muitas questões estão em jogo.

O acerto do fornecimento de energia. Usinas hidrelétricas produzem energia limpa sim. Esse é um ponto positivo da construção de Belo Monte. Enquanto observamos o risco nuclear da construção de Angra 3, contra a qual os globais não produziram vídeo algum, geração de energia limpa é a alternativa.

O erro socioambiental. Aqui reside o primeiro erro de Belo Monte. Na região da Bacia do Xingu residem 28 etnias indígenas, quase 20 milhões de hectares e cerca de 20 mil índios. Além do impacto ambiental em grandes proporções com o alagamento, os índios residentes precisarão abandonar a região e Altamira já vê sua criminalidade e marginalidade aumentarem. Inicialmente o projeto de Belo Monte traria mais danos ambientais, reformas foram feitas, mas ainda há muito com o que se preocupar.

O erro público. Pouco diálogo houve com as comunidades indígenas do Xingu e com os ribeirinhos. A Funai os ouviu, já o Congresso Federal não, ainda assim autorizou. Mesmo sem as condicionantes ambientais para a construção de Belo Monte, o Ibama também autorizou. A “Licença de Instalação Parcial” emitida pelo órgão no começo desse ano foi contrária à própria existência do Ibama, que deveria fiscalizar o integral cumprimento das condicionantes.

O erro político estrutural. Em janeiro de 2008 o presidente Lula nomeou Edison Lobão para o cargo de ministro de minas e energia. Um advogado. Mais do que isso, um PMDBista com longa trajetória pela nossa já conhecida quadrilha ARENA-PDS-PFL-DEM. O erro foi político estrutural porque obedeceu ao péssimo hábito do presidencialismo de coalizão. Lobão é cacique e administra um setor técnico vital para o desenvolvimento do país.

O erro cultural. Questões como a de Belo Monte nunca foram amplamente divulgadas no Brasil. Em 1980 a Eletronorte iniciou estudos de viabilidade técnica na região de Altamira. Em 1989 houve o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, já com protestos e claro sinal de desagrado dos locais com a construção da usina. Nenhuma novela contou essa história, e as informações passadas pelos jornais jamais te colocaram a par da situação e solicitaram sua mobilização.

O erro político. Há muita coisa envolvida em Belo Monte, mas pelo nosso histórico erro cultural, pouco sabemos e, desinformados, pouco pudemos fazer até então. Há interesses econômicos de construtoras, há interesse governamental de geração de energia, há interesses partidários em desgaste público de adversários, há interesse de sobrevivência dos residentes nos locais. E a mobilização começou tarde e de forma lamentável.

Reconquistamos a democracia há mais de 20 anos. Desde então muita coisa tem acontecido e sempre tivemos oportunidade de repensar o país. E ainda temos. Angra 3 e Belo Monte estão sendo construídas, o código florestal está sendo votado a conchavos no congresso, índios e camponeses têm sido assassinados por serem contra os interesses econômicos dos grandes e culturalmente fomos educados a não olhar para tudo isso. Esses acontecimentos não cabem no horário nobre.

Na próxima vez, não espere uma celebridade aparecer com meias-verdades para se mobilizar. E não acredite em qualquer informação veiculada em redes sociais. Comece a tornar sustentável sua mobilização socioambiental. Ou não só Sobradinho vai virar mar, mas também a Grande Volta do Xingu e a nossa consciência coletiva.

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