sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

E agora, quem irá reprimir a polícia grevista?

Do fim do ano passado para cá, polícia militar, civil e bombeiros de diferentes estados entraram em greve reivindicando, entre outras coisas, reajustes salariais, pagamento de horas extras e vale-transporte.

Ao contrário do que o indivíduo desavisado possa imaginar, o policial também é cidadão, vota, de forma recorrente não tem seus direitos garantidos pelo poder público e deveria mais frequentemente (bem como o restante da população) lutar por melhorias de vida, de cultura, de educação e de trabalho.

Poderia ser controverso, em primeiríssima análise, que a mesma entidade que não recebe seus benefícios e a que não possui condições mínimas de formação e de trabalho seja também a que é treinada para reprimir lutas dos movimentos sociais.

Mas, afinal, qual o sentido de uma classe social debilitada se apropriar de um discurso político repressor e, na maioria das vezes, ter como alvo uma população da qual faz parte e a qual a originou?

A soma de um Estado desvirtuado e corrupto com a falta de políticas públicas compartilhadas faz com que os órgãos governamentais se distanciem cada vez mais da realidade da própria população. O que faz, consequentemente, com que instituições falidas como a da polícia não tenham suas demandas contempladas, mas mesmo assim continuem reprimindo os que lutam por seus direitos.




Seria revelador e de maturidade surpreendente que “libertários” se apropriassem também das reivindicações desta classe. Ao invés de argumentos restritos com fundamentação ideológica que não pertence (feliz ou infelizmente) aos trabalhadores, os movimentos sociais têm que admitir que grande parte do contingente da polícia é formado sim por pessoas pobres desfavorecidas.

O caráter político progressivo só acontecerá se houver o questionamento conjunto de policiais e sociedade civil, em que a base de trabalhadores policiais se reconheçam de fato e enfim como movimento social.

Antes de questionarmos se a reivindicação deve ou não ser política, deve-se considerar que ela passa antes de mais nada por um contexto social complexo. É claro que o autorismo vitima os próprios policiais civis, militares e bombeiros antes de atingir, em maior número e em um segundo momento, cidadãos e “companheiros” de periferias e movimentos sociais.

As melhorias às classes desfavorecidas pelo Estado só se darão a partir do momento em que o próprio discurso “revolucionário” deixar de ser autoritário, souber lidar com os que constituem a classe social e, assim, ter acesso à ferramentas de protesto como o boicote e a insubordinação, por exemplo.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Luz, escura luz


Gilberto Kassab, corretor de imóveis: Creci 32754-F.
O higienismo paulistano, que varreu corpos do bairro da Luz no centro de São Paulo, deu o primeiro passo na garantia de aposentadoria de Gilberto Kassab e dos seus chegados. A ocupação militar da “cracolândia”, no início incógnita a Alckmin e ao prefeito, tem sido agora assumida como uma operação bem sucedida pelas mesmas autoridades. Ainda há muito a ser feito, não com relação aos usuários e moradores do bairro, mas para a especulação imobiliária.

O “Projeto Nova Luz” pretende desocupar e demolir boa parte dos prédios da região em até 15 anos. O destino de moradores e “pessoas em situação de rua” ainda é incerto. Ao que tudo indica, a urbanização da região obedece fundamentalmente a critérios estruturais, não sociais.

Corretor de imóveis e técnico em transações imobiliárias, Gilberto Kassab não tem mesmo a formação necessária para observar o desenvolvimento da cidade sob uma ótica social. Não há como cobrar uma gestão social do prefeito, a despeito de seu atual cargo. É inelutável.

Conhecendo essa fatalidade, remediável apenas com impeachment, chegamos ao processo de gentrificação. A palavra tem origem no inglês e nomeia o processo de renovação de espaços urbanos deteriorados, banindo residentes, quase sempre de classes baixas.

Ora, um processo urbanístico que muito interessa à especulação imobiliária. Você, como prefeito e corretor de imóveis, não desapropriaria uma grande área para realizar um negócio imperdível? A população pobre que se escoe. A alocação nas periferias evita que "gente diferenciada" ande pelas nossas ruas.

O Secovi, sindicato de construção e comércio de imóveis, foi um dos principais financiadores da campanha de Kassab à prefeitura. O famigerado lobby dá as caras mais uma vez e já tem planos para a Av. Faria Lima, atropelando o Plano Diretor e agravando o já insustentável trânsito da região.

A gentrificação da Luz acolheria de braços abertos moradores com alto poder aquisitivo, dispostos a pagar alto às construtoras e imobiliárias para viver perto do escritório. Ninguém aguenta o trânsito, não é?

E para aproximar ainda mais o escritório, em outubro de 2007 o prefeito Gilberto Kassab anunciou o nome de 23 empresas que se instalariam na Nova Luz após a limpeza do local.

Já teve início a gentrificação com a ocupação militar da “cracolândia”. O problema do crack não foi combatido, foi dificultado. Mas o terreno está sendo asseado para a especulação dos próximos anos.

Veja o documentário "Luz" do Left Hand Rotation, esclarecendo os planos sobre o bairro da Luz.

Tradicionalmente segregacionista, a classe média alta paulistana é a principal patrocinadora do corretor e técnico em transações imobiliárias Gilberto Kassab. Teoricamente o prefeito, como representante do município, deveria zelar pela necessidade social de seus munícipes. Mas há conflito de interesses. O mercado imobiliário e o apoio do tradicional higienismo paulistano sustentam a gestão mercantil de Kassab.

Não é ilógico. Kassab trabalha para aqueles que o elegeram. Se nada for feito, em alguns anos a segregação aumentará. A tradicional eugênica classe paulistana corre atrás do próprio rabo. Não resolve o problema, só o agrava. Reféns de condomínios, de poucos bairros seguros e do medo, ela alimenta a violência que teme.

Mas esse é um papo mais profundo, pra outro texto quem sabe, raciocínio inacessível aos que “reaciocínam” à escura Luz.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Pinheirinho luta pra não virar cipreste


"Roubar para matar a fome não é pecado!"
A frase acima não tem referência na ABNT. Não perde seu valor, contudo. É atribuída a Antônio Conselheiro, um viajante louco e santo que adaptou o sétimo mandamento à condição miserável que a seca e o Estado Brasileiro submetia à ele e seus seguidores. O messiânico líder da população sertaneja daria um bom secretário de habitação: 5 mil moradias erguidas da areia de Canudos em "quatro anos de mandato" (da fixação em Bello Monte em 1893 até sua morte em 1897). Ali o Brasil viveu um evento raro em nossa história: resistência popular. Seria um orgulho nacional, não fosse um desrespeito, cobrir aqueles cadáveres com a nossa bandeira.
"Melhor um mau acordo que uma briga boa!"
Naji Nahas é dono de muita coisa, inclusive da frase acima. Um Capitalista voraz, que quebrou e voltou muitas vezes. Por que ele conversou infinitas vezes com Daniel Dantas, em nome de Marco Tronchetti Provera, hoje o grupo Telecom Itália permite que eu fale por horas com minha namorada ao celular. Nahas também era dono da holding Selecta-Comercio e Industria S.A., que agregada mais de 20 empresas.

Se eu entendi direito a "e-papelada" que eu andei fuçando, Naji se aproveitava de brechas legislativas e da boa vontade de José Augusto Mac Dowell Leite de Castro, diretor da Selecta e da CIS (Cia Internacional de Seguros) para comprar ações com informações privilegiadas sobre o preço mínimo, e revendê-las a um preço mais alto, lucrando a diferença. Como ensinou Amaury Ribeiro Jr., uma pessoa nos dois lados de uma transação é sinal de maracutaia. Isso é o que um leigo como eu consegue resumir. 

A Selecta quebrou em 1989, junto com a bolsa do Rio, por uma alteração nas regras de negociação da Bovespa. Abusado, Najas escapou de todas as acusações e ainda tenta na justiça ser indenizado por suas perdas em 1989. Um gênio. À massa falida da empresa pertence um terreno na zona sul de São José dos Campos, ocupado por mais de 1600 famílias, que desde 2004, chamam-no de Pinheirinho.

Fossem grileiros, a usucapião já teria resolvido o impasse (corrija-me algum entendido, por favor!). A justiça, no entanto, tem várias formas de ver o caso, ainda que vendada. Uma delas é observar o direito de posse da empresa falida e condenada por crime contra o sistema financeiro sobre um terreno que não utilizava.


Poderia ser observada a falta de 1,2 milhão de casas no Estado de São Paulo ou o esforço demagógico de Dilma e Alckmin para sorrirem entre si enquanto minam o efeito eleitoreiro que a construção de casas populares poderia ter para o poder federal ou estadual. Preferiu-se honrar o dinheiro do dono da área, muito embora o dinheiro seja notório fruto de fraude.

O prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury (PSDB) poderia ter ajudado a resolver  o problema, registrando a área junto ao governo do Estado como uma Zona Especial de Interesse Social. Não o fez. Talvez considerasse mais interessante ter um supermercado no lugar.

As famílias em Pinheirinho lutam para permanecer no local. Reproduzem, pobres e sem perspectivas, a mesma luta de cem anos atrás, pelos metros quadrados que ocupam há 8 anos ou por uma parte que lhes caiba por direito, contada aos palmos, em lotes individuais. Seja como for, algum espaço o Estado lhes deve.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O ciclo policial opiáceo II ou “Ai, se eu te pego.”


A fortiori, devo retornar à polícia. Pela força dos acontecimentos, incógnitos até aos caudilhos pilotos da “Locomotiva do País”, a função policial necessita de outra apreciação. Seria cômico, não fosse trágico, o gato e rato que deu ares na famigerada “cracolândia” na primeira semana de 2012. Atabalhoadamente, é assim que os problemas de saúde naquela área são manejados.

Correria! No embalo do sucesso “Ai, se eu te pego” de Michel Teló, o segundo escalão da Polícia Militar do Estado de São Paulo inaugurou a corrida atrás do “noia”. Sirene, correria, “mão na parede!”. Será que alguns usuários largaram o crack pelo susto?

Já não bastava o atropelo no processo, uma vez que o prefeito planejava inaugurar um galpão para tratar massivamente os adictos, a operação parece não ter sido deflagrada pelo governo civil do estado de São Paulo.

Policial pegando usuário na Cracolândia. Foto: Terra
Uma operação dessa magnitude não pode não ser do conhecimento das autoridades paulistas. Logo, ou coronéis da PM têm autonomia para agir repressivamente em casos de saúde pública ou Alckmin tirou o seu da reta diante do grotesco procedimento. De tão desastrada a operação, chegou até a promover a “procissão do crack”, na qual as velas foram trocadas por cachimbos com a pedra.

No entanto teve início a “operação sufoco”. “Nossa! Nossa! / Assim você me mata.”

E o sufoco foi literal: farda no corpo, cassetete na mão e “Ai, se eu te pego. / ai, ai, se eu te pego”. Faz o quê? Internação compulsória? Cadeia? Chute, imobilização e gás de pimenta?

O velho hábito, já conhecido da população paulista, de resolver os problemas sociais com medidas paliativas e eleitoreiras vingou outra vez. É de espantar que depois de tanto tempo de uma mesma gestão na prefeitura, e de uma gestão ainda maior no estado, o plano final tenha sido a correria e o enclausuramento involuntário.

Ao que tudo indica, os secretários estaduais e municipais de saúde do feudo paulista têm a mesma mentalidade dos secretários de segurança, chumbo grosso, da dinastia tucana. Isso se não forem coronéis reformados, que ganham cargos, mas não são ministros para sofrer perseguição.

Novamente a violência é generalizada. Há violência contra o usuário que, ao contrário do discurso conservador, não está ali porque gosta. Há violência contra os moradores da região, afinal a disseminação só aumenta. E há violência contra os próprios policiais que, já não bastava o inútil trabalho de ter que revistar aluno da USP dentro da biblioteca, agora precisa correr atrás de usuários e prender “traficantes” no famoso trabalho de formiga. Exigir da polícia que se resolva o problema é injusto com os próprios policiais.

Vale dizer que a política de internação compulsória jamais resolverá o problema. Essa Bastilha do Crack tem mesmo contornos higienistas, como o próprio sistema de enclausuramento de delinquentes, de criminosos.

Privar o usuário de uma reinserção social, mesmo que São Paulo hoje não ofereça o ambiente ideal, é um passo dado na contramão da resolução da questão. E a figura do galpão para tratamento, não só porque tenho lido Foucault, o desafeto de Pondé, é de uma investida pouco terapêutica.

Sinceramente, de nada adiantam profissionais da saúde, organizações que atendam usuários e pensadores da questão bradando, no fim. A política da dinástica gestão estadual e a da deletéria e cínica gestão municipal jamais enfrentarão o problema com a justa sabedoria social. Até porque, eles próprios vivem na contramão de uma sabedoria verdadeiramente social.

Até as próximas eleições, “sufoco”! Nesse ínterim, estado e município estarão a caçar embananadamente os pacientes e incoerentemente os problemas cruciais de São Paulo.

“Ai, se eu te pego!”

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O ciclo policial opiáceo


Policiais em ação. A tragédia da vida
privada de uma classe. Foto: Band
Se é certo que muitos consideraram e ainda consideram a religião “o ópio do povo”, é igualmente sensato ampliar a gama desses opiáceos num conjunto facilmente detectável. 

Os “casos de polícia”, a exemplo do evangelismo empresarial, tomam cada vez mais espaço no circo televisivo, e os programas desse teor reproduzem efeitos socialmente nocivos em larga escala.

Com o faroeste caboclo ganhando diariamente as telas domésticas, alarga-se cada vez mais o maniqueísta abismo entre mocinho e bandido. Os maus elementos são heroicamente combatidos pela polícia e “a lei” triunfa soberana sobre o mal.

No entanto, não só “a lei” carece de constantes revisões, mas também os efeitos de uma espetacularização desses casos de polícia e de tragédias. Vil entretenimento, miserável recreação. Realçam-se acidentes, arrastões, assaltos, atropelamentos e o alfabeto é extenso pra tanta mazela.
E a polícia, onde entra nesse recital de desgraças? Aliás, qual o papel da polícia numa sociedade? Pergunta insolente e vasta é a discussão, pense com seus botões.

No espetáculo do submundo, nesse bang-bang urbano televisionado, cada vez mais se legitimam a existência da polícia e seus atos, sejam esses quais forem. Novamente vale lembrar: “a Rota nas ruas”, para quem? Vez ou outra para aqueles que continuam fieis espectadores dos “casos de polícia”, mas sabemos que da classe média para baixo a polícia é outra.

Como entretenimento, os “casos de polícia” vão na contramão de qualquer movimento de emancipação educacional e elucidação política. Panis et circenses, desse tipo que abusa da tendência humana à comoção, à tragédia do próximo.

Como entretenimento informativo, legitima-se o poder policial no discurso popular. “Vagabundo tem que ir pra cadeia”, e ainda ecoa-se nos corredores do alienismo político conservador: “baderneiros”, “maconheiros”.

Fatalmente, os telespectadores desses desfiles de flagelos protagonizam um ou outro programa. O ciclo se alimenta. A força policial prestigiada pelos telespectadores aumenta ainda mais seu poder. Mais uma vez o ciclo se alimenta, qualquer alternativa ao estado policial se vê desarmada ante tanto prestígio, que fazemos?

Ora, bônus dos grandes meios de comunicação que transmitem o espetáculo das catástrofes urbanas e sociais, e arrecadam com anunciantes. É o sistema. Bônus também do governo policial, sobretudo estadual, a quem a polícia responde.

Já o ônus fica nas ruas. É do pobre que trafica porque consegue dinheiro. Do vagabundo que rouba porque não consegue trabalho. Do drogado que não vê a luz no fim do túnel. O ônus é o único que é bem distribuído nesse ciclo policial opiáceo. É o sistema.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A esquerda precisa repensar os seus ídolos

No fim do ano li um livro que considero genial: Guia Politicamente Incorreto da América Latina, a exemplo da primeira obra de Leandro Narloch (que trata apenas do Brasil), seu texto busca desmentir mitos ao redor de personalidades da parte de cá do continente.

Coincidência ou não, a munição é destinada na maioria das vezes aos líderes ditos de esquerda, tais como Che Guevara e Salvador Allende ou aos líderes que não sabiam que era do lado de lá do muro até assim serem declarados, como Simón Bolívar e Perón.

O que acho interessante dos dois livros é que o autor não usa argumentos direitistas* contra os comunas. Na realidade, sua principal metodologia é mostrar que os grandes ícones da esquerda provavelmente seriam taxados de conservadores se analisados com mais profundidade pelos seus colegas de doutrina política.

Leandro Narloch e Duda Teixeira mostram com base em documentos que Che era um fanático por assuntos militares. O que não é muito difícil de constatar uma vez que ele é sempre retratado de verde-oliva. Para completar, o argentino também admitiu em pronunciamento na ONU que havia fuzilamentos em Cuba. Daí a pergunta: por que ele é o grande estandarte dos movimentos pacifistas?

Já Salvador Allende geralmente é retratado como o Getúlio Vargas chileno. Aquele que deu a vida pela pátria para evitar um golpe militar. O problema, de acordo com os autores, é que Salvador se parecia mais com o presidente brasileiro do que se costuma divulgar: censurou a imprensa e perseguiu opositores. O livro também mostra sua vertente racista quando de sua atuação como médico e ministro da saúde: afirmou que algumas doenças são mais frequentes em judeus, ciganos e negros, e ainda tentou emplacar a esterilização em massa de doentes mentais.

A Argentina também teve o seu Vargas. Perón subiu ao poder por meio de um Golpe e de lá custou a sair. Quando esteve no poder apresentou ideias simpáticas ao regime fascista e de quebra acudiu vários fugitivos nazistas. Como pode ele ser o ídolo da viúva Kirchner e ainda ser abraçado pela esquerda?

Já Bolívar é apontado por Hugo Chávez como um pré-socialista. O libertador da América. Logo ele que trocou a ditadura espanhola por uma pessoal. E quem é a fonte mais usada pelos autores para desmoralizar Simón? Ninguém menos que o autor de O Capital e do Manifesto do Partido Comunista. Karl Marx retratou o militar como estrategista covarde que seguramente tentava afastar do poder os pobres e os negros.

Aonde quero chegar? Até que ponto é válido tornar imaculadas as imagens de líderes nacionais ou continentais, de modo a tornar inquestionáveis as suas condutas? E o que fazer se se descobrir o contrário? Jogam-se livros no fogo e busca-se sofismas para fazer valer uma visão de mundo?  

*a classificação esquerda/direita é relativa. A definição da primeira vertente como aquela que busca uma nova sociedade e da outra como aquela que visa mantê-la não faz muito sentido. Os democratas são, por exemplo, considerados a esquerda norte-americana, ao ponto que houve diversos partidos comunistas na Rússia pré-revolução de 1917 foram considerados reaças. 

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Complexo de vira-lata

Brasileiro é foda. A gente tem uma certa angústia por não ser visto como europeus, ou pelo menos "americanos", que nos impede de valorizar qualquer feito tupiniquim.
Um brasileiro luta bem no UFC? O gringo é melhor. O Santos vai jogar contra o Barcelona? Vai passar vergonha (foi mal, Yuri). Filme brazuca concorrendo ao Oscar? Não vai ter chance. Vamos sediar a Copa e as Olimpíadas? Não vai dar certo. Michel Teló vai tocar lá fora? Ai que vergonha...    
Entrevistei o professor de antropologia Claudio Bertolli Filho sobre como o brasileiro via a Copado Mundo de 2014. Uma das respostas, sobre a auto-imagem do brasileiro, é tão foda que mereceria ser emoldurada num jpeg de compartilhamento do facebook: 

A auto-imagem é um fenômeno complexo, fruto de uma negociação realizada entre a identidade requerida por um grupo e a atribuída pelos outros. Esta negociação se dá em várias frentes, dentre elas cultural, histórica, sócio-econômica e político-ideológica. Devido às relações de poder engendradas historicamente na sociedade brasileira, a tendência é, no plano da identidade requerida, o brasileiro considerar-se trabalhador, honesto, capacitado para grandes realizações, etc. No referente à identidade atribuída, é pensado como pouco sério, não afeito ao trabalho, incapaz para as "tarefas importantes". Assim, um indivíduo se percebe como trabalhador, sério, etc, mas fala que os brasileiros (como se ele não fosse brasileiro) é vagabundo, malandro, etc.
Essa lógica explica também o nariz torto do seu amigo que gosta de política quando alguém fala de futebol perto dele; o olhar de desdém daquela sua amiga fã de Almodôvar quando você comenta sobre a novela da Globo; ou os dedos nos ouvidos dos fãs de Tchaikovsky ou Metallica ao passar por uma quadra de escola de Samba. 

Essa é a pior das sequelas da colonização: pensar que aquilo que é produzido na colônia pode prejudicar o gosto refinado de quem se deu a admirar a nata do que se produz nas metrópoles. E não basta simplesmente não gostar, é preciso denegrir, negar, evidenciar o intelectualizado repúdio ao que é produzido pelos aborígenes.

Não quero dizer que somos obrigados a gostar de tudo que se produz aqui. Também não consigo mais ouvir um "ai se eu te pego"  sem querer a morte do Michel Teló. Mas precisamos ser coerentes: "Run the world" da Beyoncé não é nenhum soneto heroico também. Cadê a campanha "tirem a Beyoncé da capa da Rolling Stone que ela não representa o R&B" ? Vê, é uma questão de vira-latismo, mais que uma questão de culturas desrespeitadas.

O Brasil não vai exportar suas grandes composições: que gringo vai entender o português  da voz eloquente do João Gilberto? A gente tem uma mania de colocar os maiores expoentes da nossa música em pedestais, sem nunca escutá-los, pra depois reclamar das pessoas que acham "thererê" sensacional e se esquecem dos nossos ícones.

Uma coisa que gente como eu (incapaz de repetir um dois-pra-lá-dois-pra-cá que seja) nunca vai entender é que música pra dançar segue outras regras, atende outras demandas. Daí o Michel Teló fazer sucesso na Bélgica e o Chico Buarque não. Daí o 50 Cent ser idolatrado por aqui e o Bob Dylan nem tanto.

E por fim, amigo, até a sua mania autoritária de dizer que a música dos outros não é cultura faz parte de uma das culturas brasileiras. A mais pedante delas, inclusive.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Um país para inglês ler

Uma "passagem desbotada na memória das nossas novas
gerações" que vem à tona na mídia internacional. 
Yes, nós temos prestígio internacional. Por sermos uma nação que cresce em diversos sentidos, crescem igualmente os olhos do mundo sobre nosso país. No entanto parece que só temos clara consciência ou clara informação disso quando estrangeiros relatam as mudanças em território brasileiro.

Não é questão de vaidade. Tampouco de orgulho nacionalista, patriótico. Mas certos fatos contados na terra brasilis são sufocados pelo oligopólio da informação. Em boa parte das vezes, a melhor fonte de informação sobre nosso próprio país é a “foreign press”.

Tal foi o caso da famigerada crise na USP. A impecável grande mídia nacional compartilhou o conservador discurso da meia verdade. Abusou da maconha, da reintegração de posse e dos “baderneiros” e “vandalismo”. Quase sem distinção, como há muito se faz. Informação em pacotes. Só muda o embrulho da emissora ou da redação.

Tal não foi o caso da CNN, que contou que a USP foi tomada por policiais e ainda expôs algumas das reivindicações estudantis, como a retirada da PM do campus e uma maior dignidade no trato com a educação:


No mesmo episódio, até a Fédération des Syndicats SUD Étudiant, na França, dedicou uma nota mais elucidativa que toda a produção da grande mídia brasileira. Eles sabem mais do que nossos grandes jornalistas ou eles tem mais responsabilidade frente à cobertura dos fatos? Entendem mais sobre educação e sobre o papel de uma universidade na sociedade, como bem demonstrado.

Pouco se fala, na grande rede midiática nacional, sobre a importância ética e histórica da criação da Comissão da Verdade. Lá fora não acontece o mesmo. Manuela Picq, na Al Jazeera, deu uma aula de jornalismo aos nossos rabos presos das grandes redações, mostrando a importância das comissões da verdade e do reflexo dessa posição do Estado sobre o processo democrático de uma nação.

Por mais que a nossa Comissão possa ser "para inglês ver", o assunto é profundamente exposto para além de nossas fronteiras.

São alguns exemplos de como a realidade crítica e polêmica do Brasil dobra os sinos gringos. Sobretudo, como certas questões são discutidas por um jornalismo livre das amarras de abstrusos acordos entre imprensa e sociedade política. Assuntos explanados de maneira mais clara, imparcialmente internacional.

O francês Le Figaro já em uma manchete destacou a flexibilização da proteção florestal no país com a tenebrosa reforma do Código pela câmara federal, coisa que a ruralista Band jamais faria, muito menos o pseudo ultra politizado CQC.

O espanhol El País também destacou a aprovação do Código Florestal pelo senado, realçando que, aprovando a anistia aos desmatadores, o Brasil dá “um recado contraditório ao resto do mundo”.

É tétrico, nobre cidadão. A ironia ronda nosso acesso à informação. Para compreender melhor o nosso próprio país, necessitamos saber inglês, espanhol, francês e sabe-se lá o que estão contando em russo sobre o Brasil. Conhecer outro idioma para ter clareza do que sucede na própria pátria merece um trecho de realce na série “Oximoro, nosso tropo”.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

No rastro federal


Prédios dos ministérios em Brasília. Com um bloco
de notas nas mãos e um ministro na cabeça,
os inspetorescaçam testemunhas. Foto: Orlando Brito

“E agora, qual ministro investigamos?” Essa batida frase deve ser repetida a cada queda de ministro na sala da justiça da grande imprensa nacional.

No rastro federal seguem os Holmes das redações, os Dupins dos editoriais, os detetives ávidos pelo furo. Aliás, conhece alguém que pode incriminar algum dos ministros? Toma meu cartão e aventamos contrapartidas.

Não que seja errado, pelo contrário. Jornalismo investigativo deve estar a serviço da população exatamente por essa trilha. Já passamos tantos anos anestesiados com a corrupção aqui e acolá quando o papo é política. Nada nos surpreende.

Mas sete ministros? É muita corrupção, não é?

Talvez, caro cidadão. Os ministros caíram como suspeitos. Alguns com comprovada irregularidade, caso de Pedro Novais (PMDB) e Carlos Lupi (PDT). E os demais, houve investigação jornalística depois da queda? Uma nota aqui, outra ali. O importante é cair.

Mas no rastro federal eles prosseguem. Os Poirots no planalto central, os Clouseaus atrás das ONGs e de suas prováveis irregularidades. Lupa na mão e gravador no bolso. A primeira fagulha de suspeita vira sermão acusatório. Implacabilidade.

Segura Negromonte! Já não basta a má fama do seu partido, se aparece irregularidade com seu nome, a defenestração é sumária. Os inspetores seguem seu rastro, em Brasília e em Cuiabá.

E traga às claras, Pimentel. Onde há a fumaça da suspeita há o fogo mortífero dos, por assim dizer, paladinos da ética da oposição direitista. Que papo é esse envolvendo sua consultoria?

A sala da justiça da grande imprensa deve ter informantes pela esplanada. Ou melhor: só deve ter informantes na esplanada, nesse nosso rastro federal.

Agora, imagine você se o Kassab fosse ministro. Com a chuva de suspeitas de fraudes contratuais envolvendo a Controlar. E o que dizer do secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente da Pauliceia, Eduardo Jorge? Seu cargo é o mesmo de um ministro, mas no plano municipal. Em virtude disso seremos mais brandos?

E nas demais capitais, nos estados da federação, a seguir o exemplo paulista, será que só há corrupção no rastro federal?

Um dos principais motivos da numerosa queda de ministros nesse ano não foi meramente a corrupção. Essa nossa ancestral conhecida não discrimina instância governamental. Ela faz folia no plano federal, no estadual e no municipal. Ela homenageia Montesquieu e dá suas caras nos legislativos, nos executivos e no judiciário.

Os ministros caem porque subiram sob o abjeto regime de coalizão governamental. E é assim em qualquer canto. Os coligados do vencedor só precisam de uma piscadela para arrebatar cargos do alto escalão. Vencemos juntos, governamos juntos. Acordo tácito.

O problema é que são escolhidos os caciques, os figurões de cada partido coligado. E repito: é assim na União, nas unidades federativas e nos municípios. Velho costume.

Elementar, caro cidadão. Que caiam os que precisam cair. Mas e os demais secretários estaduais e municipais pelos desconfiáveis becos da política nacional? Tantos suspeitos, como em qualquer conto policial.

Fiquem atentos, nobres detetives de diários, tablóides e periódicos. Há mais rastros a seguir pela noite, pois se esses são preteridos, a suspeita pode cair sobre vocês.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

“Vai virar mar”?


“O homem chega e já desfaz a natureza
Tira gente, põe represa
Diz que tudo vai mudar”

Sá & Guarabyra lançaram “Sobradinho” em 1977, cantando os efeitos da construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho no Velho Chico, próxima às igualmente musicais Juazeiro (BA) e Petrolina (PE).

Sobradinho demorou seis anos para ser construída, alagando uma área total de 4.214 Km² do sertão baiano. Completando a ficha do empreendimento, a usina tem capacidade de gerar 1.050 MW e é gerenciada pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), uma empresa da Eletrobrás e responsável, também, pela famigerada Belo Monte.

Na década de 1970, o governo militar ainda construiu pela goela da população a Usina de Itaipu, alagando o Parque Nacional de Sete Quedas no Paraná.

Belo Monte tem se mostrado um empreendimento polêmico. Impacto qualquer obra tem. Seja ele ambiental, social ou ambos. Adquirimos o costume de questionar impactos socioambientais quando entidades competentes também questionam. Até certo ponto é saudável assim proceder, mais saudável ainda é conhecer de perto a situação.

Há algum tempo foi copiosamente veiculado um vídeo no qual atrizes e atores da Rede Globo apresentam, de certo modo, os efeitos da construção da Usina de Belo Monte. Repito: o vídeo foi fartamente divulgado, anexado a mensagens de indignação pelas redes sociais.

Cacique Raoni, líder caiapó na região do Xingu.
Que não "chora ao saber que Dilma liberou o início
da construção de Belo Monte", como diz o suspeito
boato, mas por um parente.
Ora, a polêmica de Belo Monte remonta a décadas correntes. E o empreendimento já começou. Mas, para além do seminário nota 5 dos globais, muitas questões estão em jogo.

O acerto do fornecimento de energia. Usinas hidrelétricas produzem energia limpa sim. Esse é um ponto positivo da construção de Belo Monte. Enquanto observamos o risco nuclear da construção de Angra 3, contra a qual os globais não produziram vídeo algum, geração de energia limpa é a alternativa.

O erro socioambiental. Aqui reside o primeiro erro de Belo Monte. Na região da Bacia do Xingu residem 28 etnias indígenas, quase 20 milhões de hectares e cerca de 20 mil índios. Além do impacto ambiental em grandes proporções com o alagamento, os índios residentes precisarão abandonar a região e Altamira já vê sua criminalidade e marginalidade aumentarem. Inicialmente o projeto de Belo Monte traria mais danos ambientais, reformas foram feitas, mas ainda há muito com o que se preocupar.

O erro público. Pouco diálogo houve com as comunidades indígenas do Xingu e com os ribeirinhos. A Funai os ouviu, já o Congresso Federal não, ainda assim autorizou. Mesmo sem as condicionantes ambientais para a construção de Belo Monte, o Ibama também autorizou. A “Licença de Instalação Parcial” emitida pelo órgão no começo desse ano foi contrária à própria existência do Ibama, que deveria fiscalizar o integral cumprimento das condicionantes.

O erro político estrutural. Em janeiro de 2008 o presidente Lula nomeou Edison Lobão para o cargo de ministro de minas e energia. Um advogado. Mais do que isso, um PMDBista com longa trajetória pela nossa já conhecida quadrilha ARENA-PDS-PFL-DEM. O erro foi político estrutural porque obedeceu ao péssimo hábito do presidencialismo de coalizão. Lobão é cacique e administra um setor técnico vital para o desenvolvimento do país.

O erro cultural. Questões como a de Belo Monte nunca foram amplamente divulgadas no Brasil. Em 1980 a Eletronorte iniciou estudos de viabilidade técnica na região de Altamira. Em 1989 houve o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, já com protestos e claro sinal de desagrado dos locais com a construção da usina. Nenhuma novela contou essa história, e as informações passadas pelos jornais jamais te colocaram a par da situação e solicitaram sua mobilização.

O erro político. Há muita coisa envolvida em Belo Monte, mas pelo nosso histórico erro cultural, pouco sabemos e, desinformados, pouco pudemos fazer até então. Há interesses econômicos de construtoras, há interesse governamental de geração de energia, há interesses partidários em desgaste público de adversários, há interesse de sobrevivência dos residentes nos locais. E a mobilização começou tarde e de forma lamentável.

Reconquistamos a democracia há mais de 20 anos. Desde então muita coisa tem acontecido e sempre tivemos oportunidade de repensar o país. E ainda temos. Angra 3 e Belo Monte estão sendo construídas, o código florestal está sendo votado a conchavos no congresso, índios e camponeses têm sido assassinados por serem contra os interesses econômicos dos grandes e culturalmente fomos educados a não olhar para tudo isso. Esses acontecimentos não cabem no horário nobre.

Na próxima vez, não espere uma celebridade aparecer com meias-verdades para se mobilizar. E não acredite em qualquer informação veiculada em redes sociais. Comece a tornar sustentável sua mobilização socioambiental. Ou não só Sobradinho vai virar mar, mas também a Grande Volta do Xingu e a nossa consciência coletiva.