No fim do ano li um livro que considero genial: Guia Politicamente Incorreto da América Latina, a exemplo da primeira obra de Leandro Narloch (que trata apenas do Brasil), seu texto busca desmentir mitos ao redor de personalidades da parte de cá do continente.
Coincidência ou não, a munição é destinada na maioria das vezes aos líderes ditos de esquerda, tais como Che Guevara e Salvador Allende ou aos líderes que não sabiam que era do lado de lá do muro até assim serem declarados, como Simón Bolívar e Perón.
O que acho interessante dos dois livros é que o autor não usa argumentos direitistas* contra os comunas. Na realidade, sua principal metodologia é mostrar que os grandes ícones da esquerda provavelmente seriam taxados de conservadores se analisados com mais profundidade pelos seus colegas de doutrina política.
Leandro Narloch e Duda Teixeira mostram com base em documentos que Che era um fanático por assuntos militares. O que não é muito difícil de constatar uma vez que ele é sempre retratado de verde-oliva. Para completar, o argentino também admitiu em pronunciamento na ONU que havia fuzilamentos em Cuba. Daí a pergunta: por que ele é o grande estandarte dos movimentos pacifistas?
Já Salvador Allende geralmente é retratado como o Getúlio Vargas chileno. Aquele que deu a vida pela pátria para evitar um golpe militar. O problema, de acordo com os autores, é que Salvador se parecia mais com o presidente brasileiro do que se costuma divulgar: censurou a imprensa e perseguiu opositores. O livro também mostra sua vertente racista quando de sua atuação como médico e ministro da saúde: afirmou que algumas doenças são mais frequentes em judeus, ciganos e negros, e ainda tentou emplacar a esterilização em massa de doentes mentais.
A Argentina também teve o seu Vargas. Perón subiu ao poder por meio de um Golpe e de lá custou a sair. Quando esteve no poder apresentou ideias simpáticas ao regime fascista e de quebra acudiu vários fugitivos nazistas. Como pode ele ser o ídolo da viúva Kirchner e ainda ser abraçado pela esquerda?
Já Bolívar é apontado por Hugo Chávez como um pré-socialista. O libertador da América. Logo ele que trocou a ditadura espanhola por uma pessoal. E quem é a fonte mais usada pelos autores para desmoralizar Simón? Ninguém menos que o autor de O Capital e do Manifesto do Partido Comunista. Karl Marx retratou o militar como estrategista covarde que seguramente tentava afastar do poder os pobres e os negros.
Aonde quero chegar? Até que ponto é válido tornar imaculadas as imagens de líderes nacionais ou continentais, de modo a tornar inquestionáveis as suas condutas? E o que fazer se se descobrir o contrário? Jogam-se livros no fogo e busca-se sofismas para fazer valer uma visão de mundo?
*a classificação esquerda/direita é relativa. A definição da primeira vertente como aquela que busca uma nova sociedade e da outra como aquela que visa mantê-la não faz muito sentido. Os democratas são, por exemplo, considerados a esquerda norte-americana, ao ponto que houve diversos partidos comunistas na Rússia pré-revolução de 1917 foram considerados reaças.
3 comentários:
Cara, concordo muito que a esquerda tem mais trabalho em defender alguns ícones do que em defender seus ideais. http://hajapaciencia4.blogspot.com/2011/03/quer-saber-o-que-ta-acontecendo-na.html
Contudo, o livro dos repórteres da Veja me inspiram desconfiança.
P.S.: Eu me satisfaço com a distinção entre esquerda e direita no tocante a atuação do Estado: a direita, liberal, crê que diferenças sempre vão existir, e acham que o Estado não deve tocar na a economia para não atrapalhar as leis do mercado de oferta e procura, embora espere que o Estado imponha limites às liberdades civis para garantir a ordem ; Já a esquerda, pensando em uma economia heterodoxa, acredita que o Estado provedor de direitos deva minimizar as diferenças que o Estado liberal causou, e além disso, garantir as liberdades civis. Esta oposição me parece bem tangível.
O livro “Guia politicamente Incorreto da América Latina”, dos jornalistas Leandro Narloch e Duda Teixeira, que cativou muitos leitores por sua linguagem irônica e depreciativa, não passa de uma visão estereotipada e fragmentada da história dos povos latinoamericanos e suas lutas pela descolonização. É justamente por esse desconhecimento, que os autores assumem sem pudor sua repulsa pela cultura do continente desde México a Terra do Fogo, desmerecendo ao longo do texto a construção da identidade dos nossos povos, não somente desvalorizando-as, senão tentando aniquilá-las por meio da alienação dos discursos típicos das elites colonizadas. O flagrante dessa distorção, manufaturada a duas mãos por meio de juízos de valor, torna-se clara no conteúdo ideológico das citações nas páginas destacadas em preto, que reforça o maniqueísmo que os próprios autores pretendem combater. Para isso destacam uma extensa bibliografia com publicações de pesquisadores progressistas, de modo a criar uma ideia de neutralidade e academicismo. A parcialidade textual desmente tal arranjo bizarro.
Na verdade, o livro não passa de uma crônica feita para vender. Como todo texto moldado nesses padrões literários, seu conteúdo subliminar está direcionado a criminalizar o chamado “falso herói latino-americano”. Torna-se claro que toda a parafernália historiográfica está destinada a atingir indistintamente o Che Guevara, os povos pré-colombianos, Bolívar, Haiti, Perón e Evita, Pancho Villa e Salvador Allende, através da exaltação das disfunções de países e erros humanos como autoflagelo e atraso do nosso continente rumo ao desenvolvimento.
A soberba do desconhecimento depara-se com o simplismo que o livro retrata ao dizer que América Latina “tornou-se uma ideia vazia quanto abrangente”, surrupiando dos leitores o legado atual dos ícones culturais criados ao longo do tempo, resultado das próprias “veias abertas” da exploração e a desonra. Perante a crise atual do capitalismo, o livro citado tornou-se velho. As novas políticas públicas de inserção social dos nossos governos resgatam as melhores virtudes do populismo clássico, para desconforto e horror destes senhores.
Na verdade, tanto o senhor Leandro Narloch quanto Duda Teixeira (além de seu parceiro Diogo Schelp) são filhos pródigos da revista Veja, que se notabiliza por ser um veículo de desinformação. É claro que devemos considerar o fato de que ninguém é isento de juízos de valor, e reproduz nos seus textos suas preferências ideológicas. Outra coisa é usar a capacidade de escrever para criminalizar tudo aquilo que faz parte da nossa história latinoamericana, usando como referência o modelo de “pensamento único” tão próprio das novas classes gerenciais que governam o mundo depois da implosão soviética e o fracasso do socialismo real. Eu lamento que estes senhores se aliem a esses grupos de poder. Pior ainda, essa aliança é resultado do intento de reconhecimento por parte dessa classe social que fazem parte dos “incluídos” do mundo transnacional. Ganhar prestígio desvendado as fraquezas humanas e descontextualizá-las do momento histórico, só pode enganar aqueles que carecem do hábito da leitura ou recorrem a uma única fonte de informação.
Eu, como sobrevivente do terrorismo de estado, patrocinador das cruentas ditaduras militares que assolaram nosso pobre continente, fico indignado com as assertivas de senhores que, por causa de sua idade, nem sequer sabem o que aconteceu durante aquela época e, portanto, argumentam que o estado atual das coisas é produto do passado histórico. No entanto, o livro cumpre a função renovada dos antigos padrões da “guerra fria” unipolar. Isso só pode ter como intenção definitiva descaracterizar os ícones da nossa identidade cultural, que, apesar de seus avatares, está presente e ainda continua sendo o passaporte para o futuro.
Apesar de não concordar com a estratégia guerrilheira de Guevara para chegar ao poder (creio que o movimento tenha que partir de ascenso das massas para consolidar as bases democráticas de um novo regime - não como ocorre com a burocracia castrista), reivindico o exemplo de Che por ter dedicado grande parte de sua vida à tentativa de mudar o mundo. O argumento apresentado, de que Guevara era afeito a assuntos militares em nada o desmerece. Todas as revoluções no mundo tiveram derramamento de sangue, infelizmente. Se ele dedicava sua vida à tentativa de derrubar regimes, era normal que fosse um estudioso militar.
Sobre Allende, recomendo que assista ao excelente documentário "A Batalha do Chile", de Patrizio Guzmán, que retrata bem o papel do presidente em conter ao invés de impulsionar as mobilizações de massa. Allende chegou ao poder pela via eleitoral e sempre acreditou na democracia burguesa. Não foi um revolucionário, como Guevara.
Concordo com o seu post na medida em que questiona ídolos como símbolos inquestionáveis, como se não fossem humanos ou não errassem. É preciso se inspirar no exemplo deles de maneira dialética, pensando o contexto em que eles viveram e aprendendo com ensinamentos e erros.
Ah, e assim como em outros comentários, tbm acho duvidoso livros de repórteres da Veja.
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