sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O ciclo policial opiáceo


Policiais em ação. A tragédia da vida
privada de uma classe. Foto: Band
Se é certo que muitos consideraram e ainda consideram a religião “o ópio do povo”, é igualmente sensato ampliar a gama desses opiáceos num conjunto facilmente detectável. 

Os “casos de polícia”, a exemplo do evangelismo empresarial, tomam cada vez mais espaço no circo televisivo, e os programas desse teor reproduzem efeitos socialmente nocivos em larga escala.

Com o faroeste caboclo ganhando diariamente as telas domésticas, alarga-se cada vez mais o maniqueísta abismo entre mocinho e bandido. Os maus elementos são heroicamente combatidos pela polícia e “a lei” triunfa soberana sobre o mal.

No entanto, não só “a lei” carece de constantes revisões, mas também os efeitos de uma espetacularização desses casos de polícia e de tragédias. Vil entretenimento, miserável recreação. Realçam-se acidentes, arrastões, assaltos, atropelamentos e o alfabeto é extenso pra tanta mazela.
E a polícia, onde entra nesse recital de desgraças? Aliás, qual o papel da polícia numa sociedade? Pergunta insolente e vasta é a discussão, pense com seus botões.

No espetáculo do submundo, nesse bang-bang urbano televisionado, cada vez mais se legitimam a existência da polícia e seus atos, sejam esses quais forem. Novamente vale lembrar: “a Rota nas ruas”, para quem? Vez ou outra para aqueles que continuam fieis espectadores dos “casos de polícia”, mas sabemos que da classe média para baixo a polícia é outra.

Como entretenimento, os “casos de polícia” vão na contramão de qualquer movimento de emancipação educacional e elucidação política. Panis et circenses, desse tipo que abusa da tendência humana à comoção, à tragédia do próximo.

Como entretenimento informativo, legitima-se o poder policial no discurso popular. “Vagabundo tem que ir pra cadeia”, e ainda ecoa-se nos corredores do alienismo político conservador: “baderneiros”, “maconheiros”.

Fatalmente, os telespectadores desses desfiles de flagelos protagonizam um ou outro programa. O ciclo se alimenta. A força policial prestigiada pelos telespectadores aumenta ainda mais seu poder. Mais uma vez o ciclo se alimenta, qualquer alternativa ao estado policial se vê desarmada ante tanto prestígio, que fazemos?

Ora, bônus dos grandes meios de comunicação que transmitem o espetáculo das catástrofes urbanas e sociais, e arrecadam com anunciantes. É o sistema. Bônus também do governo policial, sobretudo estadual, a quem a polícia responde.

Já o ônus fica nas ruas. É do pobre que trafica porque consegue dinheiro. Do vagabundo que rouba porque não consegue trabalho. Do drogado que não vê a luz no fim do túnel. O ônus é o único que é bem distribuído nesse ciclo policial opiáceo. É o sistema.

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