"O Pensador" do escultor francês Auguste Rodin. |
Retomando a
nociva secção do saber em tecnologia e ciência humana, julgo adequado sempre
ressaltar o papel desta última na vida prática. Quanto àquela, não há equívoco
quanto ao seu valor concreto, afinal ela limita-se à práxis.
Particularmente,
me motiva essa empreitada a velha e equivocada ideia de que, no âmbito das
humanidades, pouco se pode fazer de palpável, de sensível. Jaz aí um terrível
engano que, não só limita o acesso aos subsídios que a filosofia e as ciências humanas podem
prover ao viver coletivo, como também promove um refúgio às digressões
intelectualoides dos semideuses filósofos abstratistas.
Durante boa
parte da tradição filosófica ocidental, a questão que impelia filósofos como
Hegel, Kant, Platão, Descartes, Aristóteles, Berkeley e tantos outros era a que
concernia à forma do conhecimento, à gnosiologia. Muitos dos que hoje se formam
em filosofias, psicologias ou sociologias se refugiam em teorias e máximas
contemplativas para não agarrarem com as unhas suas responsabilidades ante as
lamentações oriundas da realidade material.
Má fé, meus
caros, num vocabulário “sartreano”. O que quero dizer com todo esse palavreado
é que, ainda hoje, muitos que têm o poder de propor mudanças significativas e o
conhecimento para pensar em alternativas mais justas e sustentáveis à
coletividade, preferem vender livros discutindo a moralidade do mundo. Meras
teses e antíteses contemplativas, inúteis devaneios teóricos et similia.
Nessa onda
se encontram os acadêmicos contestadores de qualquer coisa, contanto que
permaneçam platônicas suas discussões. Quando surge um evento polêmico, lá está
o contestador acadêmico a botar lenha na fogueira, menos por promover uma
discussão frutífera do que por desfilar suas pompas de erudição. Às favas com a
erudição, nobres doutos!
E a classe
pseudo-intelectual, a da má-fé do pensar por si própria, rende louvores aos
semideuses da aparentemente ilustrada contestação, por mais que essas
ponderações não tragam benefício algum.
Recentemente
o renomado Luiz Felipe Pondé argumentou, na sua coluna de segunda na Folha de
S. Paulo, que a característica das ciências humanas é quase não ter utilidade
prática. Qual seria, então, a utilidade da utilidade teórica, não fosse sua
obrigação moral com a prática? O filósofo, que é “contra um mundo melhor”,
ostenta um malabarismo de teorias baldias sem se responsabilizar pelo seu
prestígio na praça.
A fala de Pondé tenta dar um xeque na frutífera discussão sobre polícia, Estado, sociedade e educação que aflora na FFLCH. De um lado o debate sobre os aparelhos de estado, sua
consequência prática e a educação, colocando Pondé e a inutilidade prática de
sua produção num lugar só dele, de outro o praticamente (de prática) inútil
discurso de Pondé reproduzindo a inutilidade de suas teorias contemplativas.
Pensamos em
como mudar o palpável ou seguimos o caminho de Pondé e trocamos farpas
argumentativas que nos rendem louvores da pseudo-intelectualidade mas não mudam
a condição social de ninguém?
A
intelectualidade se reproduz no plano das ideias, nos colóquios sobre teorias
que valem a um grupo específico ou outro. Refúgio de muitos filósofos
abstratistas. É mais fácil e menos comprometedor escrever sobre algo impensável
que não traga frutos tangíveis do que se responsabilizar pela sua erudição e
botar a mão na massa. Até porque, politicamente, a era do rabo-preso assombra
os pensadores de horário nobre.
Muito
abstrato isso tudo? Pois bem, pensemos e ajamos para melhorar nossa vida coletiva,
em vez de debater a animalidade do desejo ante o fatalismo humano ou qualquer enleio
divagante que o valha. Pois o meditativo das ciências humanas tem,
inexoravelmente, dever moral ante os prantos da práxis. E a decência do
abstrato está em existir para o concreto.