quarta-feira, 1 de junho de 2011

PLC 122 e uns surtos

O Brasil tem todo o direito de ser a terra do Paradoxo, nós flexibilizamos o conceito de absurdo. A gente é assim mesmo, o mundo que nos engula e o De Gaule que chupe, falaí, velho lobo!
Mas ver gente que prega em seu primeiro mandamento "amar ao próximo como a si mesmo, e a Deus sobre todas as coisas" querendo minimizar as consequências dos crimes de ódio, não há Dreher que contenha o desânimo.

Há um projeto de lei dividindo o país. Como de costume, a divisão é injusta, que tradição é tradição. A PLC 122 quer penalizar os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero. E, pois é, isso polêmico, juro!

"Olha que absurdo, os gays vão poder praticar sodomia no altar e se a gente reclamar vai preso!" é mais ou menos isso que CNBB, Silas Malafail, Mogno Malta, Jair Bolsonazi e outros ícones do retrocesso cognitivo chamam de argumento.
Como a lei de proteção para animais é um consenso mais pacífico, chutar cachorro morto deve ser crime. Não dá pra debater a afirmação, seria cruel. Reproduzir o trecho do projeto de lei que reserva o direito ao medievalismo em determinadas circunstâncias deve ser suficiente:
§ 5º O disposto no caput deste artigo não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente de atos de fé,fundada na liberdade de consciência e de crença de que trata o inciso VI do art. 5º da Constituição Federal.
Mesmo essa ressalva é contraditória e insuficiente, que basta uma garagem e uma fantasia para que se reclame o direito de discriminar pessoas não só por identidade de gênero e orientação sexual, que tanto interessam ou preocupam aos ilustres citados, mas também por raça, cor, etnia, gênero, sexo, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência. É uma brecha perigosa, mas que o liberal projeto precisa deixar para não queimar na fogueira pós-moderna.

O Senador Magno Malta se opõe ao projeto por acreditar que a lei não pode criar um "terceiro gênero". O argumento é igualmente estapafúrdio, mas é emblemático. A definição de Gênero de Malta é restrita a condição física, determinada por Deus. É um direito dele pensar assim, e de todos que sigam religiões afins. Não é direito de nenhum desses, no entanto, negar aos outros o direito de refletir sobre o gênero e considerá-lo como a condição na qual um indivíduo se reconhece e deseja ser reconhecido pela sociedade.



Excelente fotografia de Magno Malta e com possíveis cabos eleitorais (pode isso, Arnaldo?) A foto vem daqui, ó.



Quando o senador e seus partidários se declaram favoráveis à negação do projeto, estão mantendo cidadão em condição de classe inferior.

As leis são convenientemente criadas por uma provável maioria padronizada. Branca, heterossexual, cristã, anglo/eurocêntrica e financeiramente abastada, supostamente representaria toda a população brasileira que ufaniza-se por sua miscigenação. Para complementar o paradoxo, declara-se liberalmente laica e plural, por mais incoerente e improvável que soe.

Essas leis reconhecem cidadãos de segunda classe nas balcânicas minorias que a complexa heterogeneidade humana nos oferece (negros, idosos, muçulmanos, judeus, pobres, cadeirantes et cetera) e lhes assegura parcas ferramentas para minimizar a defasagem de direitos historicamente restringidos, mas nega-as a determinada condição minoritária por ferir seu conceito retrógrado de família, ou seja lá o que for. "Você só pode pertencer à minoria que nós estabelecidos aceitamos".

Se a demissão de alguém ainda puder ser justificada por sua orientação sexual ou identidade de gênero; se a violência a um indivíduo motivada pelo ódio à identidade de gênero não for penalizada de forma especialmente qualificada - qual se dá quando ocorre motivada por ódio à etnia ou raça da vítima, por exemplo - estes cidadãos não estarão recebendo a proteção legal necessária para que sejam reconhecidos como são e como de sejam. Se à outros esse direito é concedido, temos uma meia justiça seletiva e marginalizadora.

Dessa forma, apesar de Malta acusar o projeto de criar um terceiro gênero(?), ele está brigando para que cidadãos pertencentes à minoria GLBTT mantenham-se como cidadãos de uma terceira classe, ou ainda pior, que não sejam reconhecidos legalmente em hipótese alguma. Há 10 anos se tenta mudar isso através do projeto, que vem se atualizando desde então, mas uma década é muito pouco para um pensamento estagnado há dois milênios.

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