quinta-feira, 9 de junho de 2011

No limiar do corrupto

Já começava a se arrastar, para além do que seria necessária, toda a celeuma política e publicitária das acusações ao ex-ministro Antonio Palocci. A Folha de S. Paulo deu o pontapé inicial num dos esportes mais apreciados pelo alto clero da política nacional: guerra de insinuações. A recente demissão foi tardia, mas não “infectou todo o governo” como insinuou o senador Álvaro Dias (PSDB/PR). A crise não é tanto do governo, pois se aplicássemos a lógica relacional da intriga política numa análise mais apurada da história do Brasil, não haveria figura pública que se salvasse. A crise é pessoal do ex-ministro Palocci e, por tabela, é nossa também.

E contra qualquer “J’accuse!” precipitado, de que eu estaria a defender Palocci, defendo, pelo contrário, que tudo seja devidamente apurado e esclarecido, não por deputados e senadores, mas por um órgão competente para esses fins. Roberto Gurgel, Procurador Geral da República, arquivou a representação dos parlamentares oposicionistas sobre a empresa de consultoria, sob alegação de que não há do que incriminar o ex-ministro.

Contudo a oposição ainda quer uma CPI (Bolsonaro deve entrar com representação no extinto DOI-CODI pleiteando interrogatório e tortura), e infelizmente isso ainda há de se alongar demais no congresso, mesmo com a demissão de Palocci. Infelizmente porque o ato tem sido tão prolixo e mastigado, que o público já perdeu o fio da meada do resto da trama.

Temos o péssimo costume, quando se trata de política nacional, de ecoar o já batido sermão das comadres políticas, homens públicos e grandes veículos de comunicação, sem dedicar algum esforço por entender o que realmente está por trás desses discursos.

Ora, a corrupção nestas terras existe desde que o “peito ilustre Lusitano” fincou suas primeiras cruzes por aqui, propagando para o além-mar seus vícios políticos tipicamente europeus. Já passado quase meio milênio, ainda carregamos as cruzes de uma máquina pública enraizada num solo mal cultivado, sedimentado por camadas e mais camadas da mais estéril corrupção. A gente se acostumou à impunidade, ao “jeitinho”, de tal modo que, para cortar esses males pela raiz, vai um bom trabalho, trabalho que interessa a poucos.

Apesar de tudo isso, tendemos ao imediatismo, por puro conformismo e desinteresse público, por idéias fixas e fidelidade eleitoral incondicional ou pela mais miserável desinformação política. Pois desse solo queimado pela corrupção brotaram escassas almas éticas, frutos da resistência às áridas condições educacionais que muitos fizeram questão de conservar no correr das estações e da resistência ao rebanho de agiotas do Estado que pastam, há séculos, nesse solo queimado.

E se você é grande pecuarista, latifundiário, não se sinta vitimado pelas metáforas, são recursos de linguagem apenas. Não ferem nem matam ninguém, não definitiva e literalmente. Aliás, aos desinformados, a corrupção política também tem chacinado camponeses (sinédoque) nos distantes rincões do nosso país ultimamente.

Não espere que todos os parlamentares que entram com representações aos MPs (Ministérios Públicos) e solicitam instauração de CPI na Casa fazem isso com a espada da ética em punho. Só uma minoria. A grande maioria dos parlamentares é capaz de passar toda sua legislatura requerendo representações contra seus desafetos políticos em nome de uma cruzada partidária que só a gente, eleitorado, pode resolver.

E é lamentável como a viciada imprensa no Brasil, sobretudo na política e no esporte, depende de “grandes crises” de quem está no topo. Se não as há, ela continua com suas crônicas moléstias: rabo preso e vista grossa. De um modo geral, a cobertura política se contenta com a guerra burocrática nas instâncias de poder, ou mesmo com o circunlóquio sempre presente nas manifestações públicas de alguns congressistas.

É necessário noticiar que Palocci aumentou consideravelmente seu patrimônio quando deputado, sem dúvida. Mas também há necessidade desses veículos discutirem reiteradas vezes que outras figuras políticas duplicam, triplicam ou quadruplicam seus patrimônios graças a seus poderes parlamentares e mesmo simplesmente por serem parlamentares. Porque isso está à vista de todos.

Diz o bom senso que o enriquecimento não é crime, só quando acontece de maneira corrupta. No entanto devemos ter relativizado a idéia de corrupção no Brasil, nesses séculos de idas e vindas. Em política, nosso “jeitinho” foi ampliando o limiar do aceitável. E enquanto estávamos distraídos com nossos afazeres do dia-a-dia e com as notícias que os jornais sempre escolheram nos dar, aumentar o patrimônio à custa do Estado virou uma prática legal, até honesta, publicamente tolerável e fundamentalmente democrática.

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