sexta-feira, 13 de abril de 2012

El Bloqueo


Em novembro de 1806, Napoleão Bonaparte deflagrara, via decreto, o bloqueio continental contra a frota mercante inglesa. Uma manobra de guerra, mais que política. Sem poder contestar o domínio da rainha sobre os mares, a alternativa protecionista, por assim dizer, do império francês, acabou por não durar muito.

A tentativa de minar a economia de uma ilha via bloqueio viria a se repetir, tal qual farsa, como preveria Marx. Também uma manobra de guerra, apesar das convenções internacionais acharem natural um país influenciar diretamente a economia de outro com ameaças a terceiros.

E o bloqueio, ou embargo, é considerado um ato de guerra desde a London Naval Conference de 1909.

OMCs e ONUs a parte, a difícil situação econômica de Cuba tem sua origem 50 anos atrás. Quem mandou derrubar uma ditadura e querer organizar um sistema econômico igualitário com supressão de opressão e criação de sistemas de educação e saúde universais?

É praxe nas aberturas da Assembleia Geral da ONU a condenação, por esmagadora maioria, do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos desde Fevereiro de 1962.

Mas, de acordo com o que temos apreciado na guerra cambial entre os ricos e os emergentes, expondo a inutilidade da OMC, e conforme vimos nas invasões norte-americanas ao oriente médio apesar do indeferimento do também inútil conselho de segurança da ONU, as convenções internacionais são meramente figurativas, pois sanções só são levadas a cabo contra os inimigos do ocidente, nesse já batido maniqueísmo global.

A imposição dos EUA de que Cuba não tem direito de escolher seu próprio regime social e econômico trouxe severos danos ao povo cubano. A proibição de países e companhias estrangeiras e ianques de negociarem com a ilha, sob pena de retaliação, isolou Cuba e os cubanos por todo esse tempo.

O bloqueio dificulta a troca comercial de excedentes e mesmo a importação de vacinas infantis, remédios e novos métodos de diagnóstico por parte do governo cubano. 85% das patentes dos produtos farmacêuticos no planeta são de empresas estadosunidenses, e Cuba não tem acesso a esses medicamentos por conta do bloqueio.

Violação de preceitos do direito internacional humanitário que proíbe a restrição à circulação de medicamentos e alimentos, mesmo em estado de guerra.

Para a diplomacia do governo dos EUA, direitos humanos parecem ser relativos. Hão de defender esses direitos quando andarem em conformidade com os interesses nacionais dos EUA e financeiros de suas companhias.

É como aquela velha lição de História. Não que a Inglaterra não fosse humana ao lutar contra a escravidão em colônias de aliados em séculos passados, mas alforriados assalariados são potenciais consumidores, a questão humana é secundária.

Foi, por esse caminho, que o obsequioso governo dos EUA enviou ajuda humanitária a Cuba, sobretudo entre 1992 e 1995. É como o sequestrador que, por benevolente que é, joga um prato de comida no cativeiro do sequestrado.

Cuba destina 13,4% de seu PIB à Educação, o dobro do segundo colocado na América Latina e o segundo melhor nível do mundo, segundo dados da UNESCO. Ainda segundo a mesma organização, o analfabetismo em Cuba é da taxa de 0,2%, o menor do mundo. 11,3% do PIB cubano são dedicados à saúde, mais que Israel, único país na ONU que apoia o bloqueio e taxa equivalente a países como a Alemanha, segundo dados da OMS.

No entanto, com o embargo o PIB cubano não pode ser maior e consequentemente o investimento social.

Até 1959, antes da revolução, 70% das importações cubanas tinham origem dos EUA e 73% das exportações da ilha encontravam o mercado do vizinho do norte. As dificuldades impostas pelo bloqueio, como pagamento antecipado a raros produtos e trâmites de câmbio que oneram transações cubanas são realidade ainda hoje, meio século após o início do embargo.

Em 1992 com a Lei Torricelli, os EUA limitaram ainda mais o comercio cubano com navios de outras bandeiras, dificultando transações entre Cuba e outros países no mundo. Especialistas elucidam que se trata de grave violação do direito internacional.

Violando muitos acordos da OMC, do direito internacional e de convenções globais, o embargo não tem previsão de aliviamento, nem de plena retirada. Na Cúpula das Américas que ocorre nesse fim de semana, a pressão dos países latino-americanos para um relaxamento do cabresto estadosunidense virá mais uma vez à luz, como de praxe e como nas assembléias da ONU. Mas com vias à reeleição, o change de Obama não chegará tão longe, e o ato de guerra permanecerá.

Qual a razão do bloqueio? A luta dos paladinos da “democracia” e sua cruzada contra os inimigos de seus próprios interesses nacionais? Ou o medo de que um regime socialista ou comunista se mostre mais humano, eficiente e democrático que a selva do dinheiro e dos juros? Direitos humanos ou direitos financeiros?

terça-feira, 27 de março de 2012

Por favor, fique de pé - Em defesa do stand-up (ou Provocando Thiago Teixeira)

Tenho ouvido de pessoas que eu jamais denunciaria (muito menos num título de texto) que o formato de humor stand-up é um problema para o humorismo e vem sendo utilizado para fins indevidos. Não concordo. Acredito que esse velho-novo estilo trouxe de uns tempos para cá um alívio para a produção humorística nacional. Vou explicar, e para relaxar entre cada parágrafo reproduzo uma frase de um stand-up que vi por aí. 

A comédia stand-up (os humoristas não cansam de explicar) é feita pelo humorista sem figurino, maquiagem ou perucas, e é composta de um texto 100% autoral, em que o homem do microfone relata fatos do cotidiano, comenta filmes e relata experiências. Tudo isso usando os princípios básicos do humor de surpreender e fazer rir. 

“Já reparou que quando a vendedora pergunta ‘em que posso te ajudar?’ sua primeira intenção é responder ‘morrendo’?” – Rafinha Bastos

São essas regrinhas que permitiram um fôlego a mais para nossa produção humorística. Nos anos 90 e começo dos anos 2000 presenciávamos uma avalanche de personagens regadas a piadas Adão-contou-pra-Eva-e-ela-já-sabia e imitações que não saíam do eixo Roberto Carlos – Lula – Caetano Veloso – Romário – Maria Bethânia. Nessa leva, em meio a talentos, como Tom Cavalcante, Shaolin e Ceará, sobravam os de talento questionável.

"Sempre que você vai sair para uma festa sua mãe te chama num canto e fala 'filho, não vai não. Eu to um mau pressentimento...' Por que mãe nunca tem bom pressentimento?" Thiago Carmona

Deixando de lado o talento – algo mais subjetivo – iremos concordar que o essencial no humor é a criatividade e ela andava em falta. O stand-up basicamente impede isso, força uma reflexão humorística e ainda abre espaço para aqueles que não pretendem imitar vozes ou que não se sentem à vontade contando piadas por traz de uma máscara. É uma opção.

“Um dia num avião, uma pessoa passou mal, a aeromoça perguntou se tinha um médico a bordo e o cara levantou da poltrona e foi até o passageiro como se fosse um herói. Nunca vai acontecer de uma aeromoça pegar o microfone e perguntar ‘estamos com uma emergência, tem algum humorista no avião?’” – Fábio Rabin

Isso não quer dizer que esse formato de humor seja novo (Chico Anysio, José Vasconcelos e Jô Soares já fazia lá pelos anos 60) e muito menos quer dizer que todos os seus representantes sejam bons. Como toda moda, há os que copiam piadas, os que não têm graça e claro, os que testam os limites do humor e acabam recebendo vaias e críticas.

“Outro dia eu visitei Palmas, Tocantins. É estranho porque a cidade tem 20 anos. Eu sou mais velho que a cidade. Agora eu sei como a Hebe se sente em São Paulo” – Léo Lins

Ultimamente, não faltam confusões. Piadas racistas, machistas, de cunho ideológico e até aquelas em que o humorista satiriza sua própria situação e provoca polêmica (Ben Ludmer apanhou depois de brincar com o fato de ele próprio ser judeu). Onde está a novidade nisso? Em nenhum lugar. Esses estilos de piada sempre existiram. Há sim piadas pesadas e há aquelas em que o comediante erra na dose e passa a fronteira do humor para entrar na ofensa gratuita. Não é algo intrínseco à comédia stand-up. É algo anterior e que está presente em suas manifestações, mas que não podem ser traduzidos como sua essência. 

“Resolvi comemorar meu aniversário de namoro levando minha namorada para comer fora. Aí na fila do bandejão...” – Marcelo Mansfeld

O stand-up tem piadas que já perderam a graça, claro. Associações como Corintiano/Ladrão, São Paulino/Gay, Lula/Analfabeto, Hebe/Velha e Ronaldo/Travesti há um bom tempo são indicativas de textos menos originais. 

“O seriado chama Malhação e há 15 anos que não aparece uma academia. É por isso que o Mocotó ficou gordo daquele jeito” – Maurício Meirelles

O fato é que esse estilo traz um monólogo quase teatral, uma série de apontamentos e reflexões frutos de uma observação rigorosa que além de fazerem o público pensar provocam algo ainda mais saudável – a risada. A crítica está lá presente, de diversas formas, feita de diversas maneiras e não gostar da piada nada mais é do que um outro tipo de crítica. 

sexta-feira, 23 de março de 2012

Estados Unidos Aristocráticos do Brasil


Retomando o macambúzio destino do sorumbático vocábulo “democracia”, cabe contrastá-lo com demais formas de poder. Assim, um diagnóstico diferencial, para tirar a prova dos nove. Sobretudo vale inquirir e averiguar as diferenças a posteriori, baseados na experiência, entre democracia e aristocracia.

O título do presente texto já taxa a República Federativa, ou “Estados Unidos do Brasil”,como deseja José, de estado aristocrático. E não sem motivo. Intentarei perscrutar o que se apresenta como aristocrático e como democrático para chegarmos a uma conclusão razoavelmente sensata.

De volta àquelas, talvez, maçantes análises sintáticas morfológicas e semânticas do “cunho vernáculo” do vocábulo “democracia”, temos plena ciência de que o sentido deste termo, de origem grega, nada mais é do que o nobre poder do povo.

Sabemos, também, que na prática a teoria é outra. Os incontáveis adjetivos que desvirtuam o sentido da palavra atravessaram os séculos de história humana. “Democracia liberal”, “democracia representativa”, “democracia cristã” e mesmo o pleonástico “democracia popular”.

A situação é feia. E se agrava com o fomento à aristocracia brasileira. Rigorosamente, aristos, do grego, traduz-se “melhores”. Em sua República, Platão já defendia que apenas filósofos governassem o Estado. O contratualista Rousseau destaca as vantagens de um governo aristocrático, desde que apenas executor da vontade geral.

Em todo caso, Aristocracia denomina o poder dos melhores. E melhores sempre delimitou uma amostragem populacional, uma minoria. Podemos arriscar a pensar que se trata do poder de uma minoria, quando há aristocracia, vice versa.

Desde a redemocratização, vimos o crescimento de uma tal “democracia representativa”, constituída em 1988. A divisão de poderes entre legislativo, executivo e judiciário tem Montesquieu como padrinho e outros Estados como exemplos. O drama de um estado extenso que se diz democrático reside na representação da vontade do povo no poder legislativo.

Consta no Capítulo IV, Art. 14 da nossa carta magna, que a soberania popular se exercerá via sufrágio universal mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular. No entanto, a lentura, a burocracia e a, ainda, precária mobilização coletiva, fazem da tal soberania popular mera formalidade, “um papelzinho”.

Somos governados por grupos, os “melhores” para se ter mais exatidão. Grandes corporações jornalísticas como Abril, Folha, Estadão, Globo, Bandeirantes e outros filtram informação e formam opinião. Reproduzem entretenimento comprado, quase sempre acrítico e pseudo politizado quando critica.

Somos governados por partidões. Sim, boa parte deles são partidões, ou você acha que o Código Florestal ou o piso de policiais e professores são analisados pelo teor social do tema? Conchavo. Fisiologismo passou de vício a costume. Corporativismo é mal necessário. E assim vamos, permitimos desmatamento porque parte dos “melhores” assim quer, na busca por cargos.

Somos governados por caciques. Do Maranhão 66 à serrista Pauliceia. E os caciques lideram bancadas, partidos, Estados. São os “melhores”.

Somos governados pelo lobby, pelas grandes montadoras para que tenhamos mais carros e menos bicicletas; somos governados pelas imobiliárias, pela especulação e pelo aluguel salgado, extorsivo no custo/benefício, além do higienismo , a gentrificação para a valorização de regiões. É o sistema.

E a birra da base aliada do governo federal vai por esse caminho. Grupos querem poder, querem altos cargos da gestão, pelo simples poder. Descambamos já, talvez, para a oligarquia, ou “governo de poucos”, não necessariamente melhores.

Assim, são os grupos que governam. O povo deixa espaço para os melhores, ou os poucos. Tá aí, no seu dia-a-dia. No trânsito que você pega, no imóvel em que você dorme, no entretenimento em que você se distrai, no trabalho que você atura e na vida que você vive.

sexta-feira, 9 de março de 2012

O tomar posição partidária


"O melhor caminho para uma desculpabilização universal, é chegar à conclusão de que, porque toda a gente tem culpas, ninguém é culpado"
José Saramago

Hoje menos política que religiosa, essa filiação, material ou abstrata, engajada ou por conveniência a um partido político, pode engendrar uma série de obstáculos ao pleno exercício da democracia. Para além dos entraves institucionais das instâncias governamentais, o problema começa pelo eleitorado.

Todo ato é político. Por estarmos inapelavelmente inseridos num coletivo, nossas ações têm irreversivelmente impacto sobre os demais nesse coletivo inseridos, sejam eles próximos ou distantes, conhecidos ou ignorados.

Quando se pensa no poder do voto para essa coletividade, esse ato específico extrapola seus efeitos cotidianos. Desnecessário dizer que é um dos mais significativos atos políticos, porque é universalmente institucional.

Universalmente institucional, pois todos veem o voto como o momento democrático por excelência. Ações coletivas como protestos, boicotes e mesmo chuva de ovos, se não acompanhadas de ações legais efetivas, funcionam somente como mobilização. Não que sejam vãs, mas carecem de direcionamento por vias institucionais, ainda.

No entanto, para a grande maioria do eleitorado, sobretudo de classes intermediárias, o posicionamento político e o voto só se dão as mãos em anos pares, em meses próximos ao pleito. O que foi feito em outros momentos das gestões eleitas, não parece ser do interesse, muito menos da responsabilidade, dos eleitores dos vencedores. E isso, está pra lá de sabido.

Essa desresponsabilização individual é reflexo da inópia, da ausência de consciência coletiva inerente à nossa estrutura sócio-econômica. Sem querer evocar a pieguice, mas pela preponderância de nossos desejos egocêntricos, ornados pela correnteza do cotidiano, alimentamos a fila em hospitais, o analfabetismo, o trânsito e a corrupção. Eventualmente, nos tornamos fruto do sistema. Unidades meramente passivas.

Tomar posição partidária é um ato forçoso, na medida em que ainda é pelas vias institucionais que certas realidades se transformam no Brasil. Mas escolher um partido deve obedecer a preceitos mais nobres do que o ódio por outra agremiação partidária ou pelas ideias pré-concebidas e hereditárias, sejam herdadas da mídia ou do tradicional papai e mamãe.

Mesmo com o espaço ganho por organizações civis e, sobretudo, por grandes empresas nos locais de tomada de decisão, o prélio partidário ainda reina. De maneira trágica, a democracia que se conhece aqui carece da intermediação de partidos que mais votam conforme os desígnios de alianças do que propriamente atentando aos direitos e necessidades da população.

No entanto, a aliviante culpabilização genérica do “todo político é corrupto”, desresponsabiliza-nos de nossa ação individual. Em meio ao conformado e desenfreado acusacionismo, nos tornamos mero “mais um”, sem responsabilidades.

Assumindo certa moral, moral política para indivíduos coletivos e, consequentemente políticos, a assunção partidária deve obedecer aos doces e aos acres. Se escolhemos uma legenda pela ideologia, ou mesmo pela rinha partidária, somos compelidos a nos responsabilizar pelos males do partido ao qual dedicamos nosso voto. Afinal, o colocamos lá.

A democracia representativa tem suas faces, férteis ou inférteis. Precisamos assumi-las todas enquanto assim for, até que a democracia seja vivida como democracia.

Em meio à desculpabilização universal e a poeira encobridora do cotidiano, as filas em hospitais hão de continuar, assim como o trânsito, a violência e todo o leque de bem conhecidas mazelas sociais.

Só colheremos na vida os frutos de um coletivo saudável quando nos responsabilizarmos pelas políticas que na urna alimentamos.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Substantivo Democracia


Não há, no léxico, palavra mais violentada que “democracia”. A origem é grega, o uso é universal e a situação é russa. Morfologicamente, um substantivo. Tomando como bom exemplo o exame gramatical já empreendido sobre o PMDB, acho prudente debruçarmo-nos sobre a acepção de tão fundamental vocábulo.

Foto: João Faissal
Malfadado polissílabo! Sujeito de tantos lúgubres predicados! Os que contam a história fizeram questão de empunhar o escudo como espada; e a democracia foi adornada com os menos democráticos adjetivos. Prostituída. Saqueada. Distorcida.

Como há de lembrar, da etimologia sabemos que “democracia” poderia ser, em si, substantivo e adjetivo. Dos gregos demo (povo) e kratos (poder) poderíamos supor que sempre que a palavra aparece, há o poder popular. Mas as palavras mudam de opinião, por assim dizer.

Elucidando, o DEMocratas, partido brasileiro, não pode ter esse nome, uma vez que tem origem em barões, latifundiários e grandes empresários. E não pode não por proibição ou moral, mas por pura inconsistência etimológica.

Partamos à análise morfológica.

“Liberal”, como adjetivo, compreende uma extensa seara semântica, de acordo com o uso. Aprendemos, nos afáveis anos de escola, que o adjetivo muda a qualidade do substantivo.

Veja você a enorme discrepância entre “saia curta” e “saia longa”, “copo cheio” e “copo vazio” etc. Quão poderoso é o adjetivo, capaz de colocar o substantivo onde ele bem entender!

Morfologicamente a relação é de quase dominação. O substantivo “céu” não pode ser “azul” se o “cinza” se assenta, e por aí vamos.

Quanto ao substantivo “democracia”, nosso enfermo e corrompido oxítono, a regra é a mesma. Sem delongas, adjetivos como “liberal” (no sentido usurário comumente aplicado), “cristã” e “representativa”, modificam o sentido de “democracia”, imputando-lhe uma qualidade ao bel prazer de quem escreve.

Portanto, “democracia” é uma coisa. Se acompanhada de adjetivos, muda sua qualidade. E já basta de tanta mutação para uma palavra que, na prática, ainda é utópica.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A incompreensível política partidária das eleições em SP

Não faz sentido gastar neurônios para tentar entender o emaranhado político atual em torno das eleições na cidade de São Paulo. O que não faltam até o momento são jogadas surrealistas para a corrida municipal. 

Os três principais partidos na disputa apresentam hoje candidatos inimagináveis há um ou dois anos, o que gera ou segue gerando crises internas e confusões na mente do eleitorado, o último a saber das decisões partidárias. 

A exemplo da indicação de Dilma, o ex-presidente Lula deixou de lado as vozes do Partido dos Trabalhadores para empurrar um ministro para a chancela do voto. Depois de demover petistas históricos de concorrer, como Marta Suplicy e Mercadante, o PT preferiu concentrar esforços em promover Fernando Haddad como o candidato ideal para a metrópole. 

A cúpula do PMDB foi além no exercício de ignorar os membros tradicionais da legenda. Em busca do executivo paulistano, o partido de Michel Temer vai mostrar a foto de Gabriel Chalita aos eleitores que apertarem 15 na urna eleitoral. Trata-se do mesmo escritor recém-ingresso na política que há um ano e meio levantava a bandeira do PSB.

Mas o passo mais arriscado nos jogos partidários ainda não é uma certeza. O PSDB pode ignorar Bruno Covas, Andrea Matarazzo e José Anibal numa tacada só ao lançar – mais uma vez – José Serra na corrida pela prefeitura. Visando uma porção maior do eleitorado, os tucanos correm o risco de dar pano para manga para uma porção ainda maior de eleitores – a dos anti-Serra, que irão certamente jogar no tabuleiro uma carta conhecida: a antiga ambição do ex-governador em tornar-se presidente, a despeito da administração municipal. 

Quem está de fora dos intensos registros de fogo-amigo nos recantos políticos de São Paulo é justamente o mais importante elemento das eleições. Kassab assume abertamente apoio ao PSDB no caso da candidatura de José Serra, tornando-a impossível em contrário, como se todo o apoio vindo do PSD e de seus eleitores só tivessem uma explicação personalista, sem qualquer mérito ideológico, uma vez que a desistência do ex-presidenciável tornaria certa a aliança do atual prefeito com o PT. 

A coligação PMDB-PT também é outro discurso ambíguo. Chalita e Haddad evitam o confronto direto, a ponto de admitir uma já costurada aliança no segundo turno, como se a derrota de um deles fosse certa.  

Enquanto isso, nada se fala das questões de interesse do paulistano. O debate que se desenhou na operação da PM na Cracolância perdeu força. Até o momento, as eleições ainda são uma questão partidária. Nada de discussão política. 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O excessivo essencialismo da vida



“Pós-modernidade”, mundo sem sentidos e desamparo são ideias efusivamente trabalhadas por pensadores dos nossos dias. Muitas vezes essas concepções escondem ignóbeis e/ou artificiosos propósitos. A constatação do desamparo, do abandono e da ausência de sentido nesse mundo atroz é o primeiro passo para o acorrentamento a uma doutrina, seja ela qual for.

“Ser culto es el unico modo de ser libre”, disse certa vez José Martí, heroi da primeira independência cubana. Não a toa a segunda independência de Cuba seguiu esperançosamente o pensamento de Martí, e a educação na Ilha ainda é invejável.

Mas voltando à fatídica e belicosa sociedade monetária dos dias presentes, onde poucos têm acesso ao caminho dos cultos, o discurso do desamparo arrebata os desiludidos das mais diversas formas, essencializando a vida, dando-lhe um sentido clandestino.

A começar pelo eterno e temporal poder religioso. O discurso acalorado, entusiasmado e reconfortante é, grosso modo, o mesmo em diversos credos. Os desenganados são tocados, mesmo pelo discurso do evangelismo empresarial e sua chaga social, e vertem lágrimas e lealdade incondicional a uma ou outra fé.

Deste modo, as almas humanas originariamente livres se atam e se essencializam num padrão existencial exigido pelos mandamentos da fé. Mas esse fenômeno conhecemos bem, ultrapassou séculos e ainda ancora em qualquer tempo.

A exemplo do trilhado caminho da fé, encontram-se os manuais de vida. Literatura fácil que abraça os desamparados e enriquece os, supostamente, conhecedores do viver feliz.

Profusão de exemplos, como os romances de paralelismo, parábolas que, hipoteticamente, transcendem contextos sociais e históricos e valem universalmente pois concordam com a tal natureza humana. Ou mesmo a aclamada literatura corporativa, na qual os administradores encontram o sentido da vida num manual de negociação. Sem contar as infindáveis reinterpretações de clássicos como “A arte da guerra” e “O Príncipe”, ativamente descontextualizados para servir aos conhecedores de cases de sucesso, sucesso para quem?

Antes aceitássemos nossa indefinição, não seriamos reféns de sentidos criados com sabe-se lá que propósitos. Melhor seria se reconhecêssemos a inabalável ausência de sentido do existir, pois que daí iniciaríamos a busca por um sentido propriamente nosso.

Já dizia o filósofo francês Jean-Paul Sartre que “(...) somos condenados à liberdade”. Na investigação ontológica do alemão Martin Heidegger nos deparamos com a ideia do vazio do nada, da angústia existencial. É a angústia que abre portas, por assim dizer. Todavia é insuportável.

Mas existir é insuportável, qual o peso de carregarmos a nós mesmos nesse insólito percurso que é a vida? Dessa feita, nos essencializamos excessivamente em credos, “auto-ajudas” e fontes de sentido pré-fabricadas, no sentido econômico do termo.

O difícil enfrentamento da própria existência e da responsabilização pelos próprios atos alimenta, por exemplo, para retornar ao senso do blog, a desatinada tomada de partido e posicionamento político, como tentarei abordar em texto vindouro.

Os sentidos construídos por terceiros permanecem àqueles que fogem de si mesmos. E aos que encaram o desamparo inerente à existência humana, é tão indigesto aceitar esses sentidos quanto é difícil combatê-los.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

“E agora, José?”


A cara da atual situação política de José.
“A festa acabou (...)”.

Com os recentes escândalos desvelados pelo “Privataria Tucana”, parece que José pode parar de perseguir o poder a qualquer custo. Após a derrota em 2010, fez o que pôde para não sumir das luzes. A partir do bombástico livro de Amauri Ribeiro Jr., evita multidões e insolentes indagações, “e agora, José?”

No centenário do Theatro Municipal de São Paulo, lá estivera ele. Na final da Libertadores da América de 2011, mesmo palmeirense, empoleirara-se no camarote do Pacaembu. Houve um esforço hercúleo por parte de José, o tucano de pirata, para mostrar que, de algum modo, ainda está aí. “Se você gritasse”, José.

Quais as aspirações políticas de José? A prefeitura de São Paulo seria possível, uma vez que tem adesão daquele fidalgo eleitorado paulistano que vota como quem escolhe o anfitrião dos bailes da corte, o príncipe dos incluídos, o causídico dos afamados mimados de papai. Mas só “se você gemesse”, José!

Outra vez o Palácio dos Bandeirantes? A aristocracia, o classemedismo e os sabe-se- lá quais princípios políticos coletivos que movem boa parte do eleitorado paulista dariam a José mais uma vez o alto posto da província dinástica tucanesca. Mas até lá haja disposição pras câmeras, pois estar presente a todos os eventos até 2014 cansaria, “se você cansasse”, José.

No entanto, desde a explosiva publicação da saga dos “privatas do Caribe”, José se tornou mais reservado. Evita eventos, jornalistas e manifestantes, “está sem discurso”.

Assumidamente fora da disputa eleitoral pela Pauliceia, talvez porque “a população considera que ele não quer ser prefeito”, José não quer ter que prometer de novo não abandonar o cargo para disputar uma eleição, como fez duas vezes. “Sua doce palavra”, José.

José anseia nova migração rumo ao planalto central. Mas já não é mais o favorito do partido. A “única liderança” do país ao lado de Lula já disse que José não é o candidato natural para 2014. José “está sem carinho”.

FHC ainda diz que sua cota de José esgotou. Pudera, José resiste ou pelo nome ou pelo poder fisiológico nos limites da legenda. Suas passagens pela prefeitura e pelo estado foram de ruim a regulares, e, como se não bastasse, José foi o segundo padrinho do maior desastre político nacional desde Pitta-Maluf: Gilberto Kassab. “E agora, José?”.

O poder pelo poder é o maior dos vícios da política nacional. O imperialismo eleitoral com a busca dos altos cargos eletivos, unicamente pelos cargos, pelo prazer da conquista territorial sobre o adversário, corrobora com o loteamento de cargos de nomeação e outras distorções do sistema democrático. A semicerrada sociedade política e suas pelejas partidárias excitam José. Mas e agora?

Mesmo com todos os seus manchados pelas denúncias documentadas no “Privataria”, a ausência de apoio de seus antigos sócios, com o rastro sujo de política higienista de seus apadrinhados, seus governos pouco democráticos e sociais e suas fraudes eleitorais, “você marcha, José! / José, para onde?”

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

SOPA, PIPA, Megaupload e afins

Uma corrida aos pen drives e CDs graváveis como forma de garantir o que é seu foi a reação inicial a aparente adoção da linha-dura para reprimir a pirataria digital. Na mesma semana em que dois projetos de lei no Congresso norte-americano ganharam fama para deleite dos amantes de trocadilhos (SOPA e PIPA - Stop Online Piracy Act e Protect IP Act), o FBI prendeu os executivos do site Megaupload, tirando-o do ar.

O site recebia e armazenava arquivos dos usuários e na maioria dos casos qualquer internauta podia baixá-los dados, desde que tivesse o link de acesso. E isso acontecia com filmes, músicas e até discografias completas, sem qualquer restrição à quebra de direitos autorais. No mesmo rumo do birô norte-americano, parlamentares planejavam aprovar duas leis que permitiriam ao governo bloquear qualquer site no mundo que desrespeitasse os direitos autorais, com ênfase, é claro, naqueles que violassem obras dos Estados Unidos.  

As duas posturas (proposta e ação) juntas provocaram a revolta de internautas, dispostos a hackear páginas de corporações e a combater ações repressivas, dizendo-se a favor da liberdade de expressão que a vida online nos trouxe.

Há restrições quanto às posturas dos dois lados e eu as expresso aqui.

Onde os defensores do Megaupload e afins erram

O direito autoral descende do direito de propriedade material, algo igualmente controverso e polêmico. A propriedade do pai passa para o filho? E se ele tiver vários filhos? E se ele não usa a propriedade? E se a empresa proprietária faliu? Não é fácil responder, vide a ação da polícia em São José dos Campos.

E como definir o dono de uma música ou de um trecho dela? De um quadro? De uma foto? Algumas músicas caíram em domínio público (não sei por que a frase lembra a expressão “cair em desgraça”). Mas para ouvir a versão que a Orquestra Sinfônica fez de uma música de Mozart não pense que a orquestra lhe entregará de mão- beijada. Os direitos da execução são dela.  

De qualquer modo, os direitos autorais existem porque alguém faz a música, o filme, o livro. Como eles ficam?

Em primeiro lugar, há algumas alegações simplistas para defender Megaupload e sites relacionados. Por exemplo: baixar arquivos não causa prejuízo às produtoras. Causa sim. Prejuízo para elas e para gravadoras, artistas, cinemas, locadoras. É comum alguém dizer: “mas a Fox ou a Warner atuam explorando artistas, monopolizando o circuito do entretenimento e faturam milhões de dólares”. Ok, mas não conheço ninguém que tenha dito: “eu só faço download de filmes da Warner, porque ela não é legal.” Baixa-se de uma e outra e a tese das grandes produtoras cai por terra.
  
Outra afirmação é de que o download é menos perigoso do que comprar CDs piratas porque não alimenta máfias ou qualquer outro tipo de organizações criminosas. Em parte é verdade. Na pirataria material o dinheiro vai para alguém. Mas ao baixar arquivos você pode ganhar de brinde um vírus – ainda mais quando o download se populariza mais do que a segurança na internet. Sem contar que uma das ações criminosas apontadas pelo FBI foi o fato de o Megaupload ganhar dinheiro com anúncios. Você não gasta, mas de alguma forma o intermediador ganha um dinheiro para usá-lo como quiser. Se vai comprar um Cadillac amarelo ou armas, não se sabe.

Os prejuízos estimados à indústria do entretenimento provocados pelo site derrubado giram em torno de 500 milhões de dólares segundo o FBI. Pode ser que a polícia norte-americana tenha valorizado a cifra, mas é inegável que alguém perde nesse processo.

Talvez o rombo não seja tão visível quando se toma como referência o usuário. Aquele que recebe e usa o produto baixado. Mas vamos para o ponto de vista do criador. Aquele que compõe, dirige, atua, filme, escreve e edita. Sua produção perde o valor e a tão sonhada profissionalização artística torna-se impraticável. Quase ninguém vive por música.  Imagine uma foto, frase ou criação sua caindo na rede e ninguém seque lembra quem é você. Revoltante? Imagine se alguém lucrasse sobre isso então.

Onde a visão de mercado das produtoras é limitada

O ataque às grandes produtores tem origem em alguns argumentos certeiros. O preço dos DVDs e CDs sempre foi exagerado, embora tenha caído recentemente. Não é provável que alguém esteja disposto a pagar 40 reais em um filme que ele nem sabe se vai gostar. Isso sem contar os abusos cometidos contra o pobre colecionador. Algo que eu irei abordar em outra ocasião. Sugestão? Recorra a uma locadora. Ok, dá certo se você quiser ir ver um filme mais recente.

E quando se trata daquele filme B? O primeiro em que aparecem Tom Cruise ou Cameron Diaz, por exemplo. Ou aquele filme argentino que bateu na trave no Oscar. Você não vai encontra-lo tão facilmente em uma locadora, loja e não espere contar com a Sessão da Tarde.

A possibilidade de se ter acesso a filmes clássicos parece um avanço cultural trazido pela internet. Traz uma enorme finalidade educativa e é estranho dizer que baixar um filme de 1956 esquecido pela Universal possa representar algum prejuízo à produtora.

Outro argumento de defesa é o tiro saindo pela culatra. O mercado se vê prejudicado pela pirataria, mas ela segue alguns ditames do mercado. Veja o caso do vídeo on demand. Assista algo na hora que você quiser! Essa liberdade de escolha não fazia parte do mercado liberal, em que a exibição de um filme ou música tinha horário determinado e limitado.

A mudança de cultura foi tão grande que as próprias emissoras de TV agora disponibilizam vídeos on demand gratuitamente em seus portais. E assim o usuário que baixa uma série no Megaupload vai defender-se dizendo que só quis assistir o Two and Half Men um pouquinho antes de a atração ser exibida na Warner, porque naquele dia marcado para a estreia não vai dar, sabe?

Os acessos e comentários nas redes sociais podem até indicar se compensa uma emissora nacional trazer para cá um seriado americano, se um CD merece mais atenção das gravadoras do que o previsto ou se um livro merece uma reedição mais bem tratada.

Resumo

Há nesse assunto um claro choque entre o modelo antigo e o modelo novo. Hoje, bandas lançam suas músicas somente pela internet. Não são todas as que dão certo e que lucram em shows, mas também não eram todas as bandas convencionais que se tornavam famosas nos anos 60.

Segundo a empresa de consultoria canadense Sandvine, o site Megaupload já chegou a ocupar 11% do tráfego na internet aqui no Brasil. Não é uma cifra desprezível, legalmente ou não.

Mesmo ao recuar da aprovação imediata do SOPA, um dos seus autores, o deputado republicano Lamar Smith, declarou que é preciso criar uma lei que proteja invenções norte-americana de ladrões estrangeiros. Nada mais parecido com filme de James Bond do que a prisão de um alemão que mora na Nova Zelândia. Daqui a pouco a família de Ian Fleming cobra direitos autorais nessa ação.

De todo mundo, é relevante questionar a duração dos direitos autorais. No Brasil eles duram 70 anos depois da morte do autor. Mário de Andrade não se encaixa nesse grupo até 2015, por exemplo. Até mesmo os lucros aos autores vivos são questionáveis. Quem não gostaria de se sustentar por algo produzido há 10, 20 anos? É até um convite a parar de produzir, diriam alguns.

Os filmes deveriam cair em domínio público em menos tempo ainda. É difícil enxerga-los como lucrativos vinte ou trinta anos depois do lançamento, por exemplo, mas nem por isso deixam de ser fonte de cultura e entretenimento.