sexta-feira, 9 de março de 2012

O tomar posição partidária


"O melhor caminho para uma desculpabilização universal, é chegar à conclusão de que, porque toda a gente tem culpas, ninguém é culpado"
José Saramago

Hoje menos política que religiosa, essa filiação, material ou abstrata, engajada ou por conveniência a um partido político, pode engendrar uma série de obstáculos ao pleno exercício da democracia. Para além dos entraves institucionais das instâncias governamentais, o problema começa pelo eleitorado.

Todo ato é político. Por estarmos inapelavelmente inseridos num coletivo, nossas ações têm irreversivelmente impacto sobre os demais nesse coletivo inseridos, sejam eles próximos ou distantes, conhecidos ou ignorados.

Quando se pensa no poder do voto para essa coletividade, esse ato específico extrapola seus efeitos cotidianos. Desnecessário dizer que é um dos mais significativos atos políticos, porque é universalmente institucional.

Universalmente institucional, pois todos veem o voto como o momento democrático por excelência. Ações coletivas como protestos, boicotes e mesmo chuva de ovos, se não acompanhadas de ações legais efetivas, funcionam somente como mobilização. Não que sejam vãs, mas carecem de direcionamento por vias institucionais, ainda.

No entanto, para a grande maioria do eleitorado, sobretudo de classes intermediárias, o posicionamento político e o voto só se dão as mãos em anos pares, em meses próximos ao pleito. O que foi feito em outros momentos das gestões eleitas, não parece ser do interesse, muito menos da responsabilidade, dos eleitores dos vencedores. E isso, está pra lá de sabido.

Essa desresponsabilização individual é reflexo da inópia, da ausência de consciência coletiva inerente à nossa estrutura sócio-econômica. Sem querer evocar a pieguice, mas pela preponderância de nossos desejos egocêntricos, ornados pela correnteza do cotidiano, alimentamos a fila em hospitais, o analfabetismo, o trânsito e a corrupção. Eventualmente, nos tornamos fruto do sistema. Unidades meramente passivas.

Tomar posição partidária é um ato forçoso, na medida em que ainda é pelas vias institucionais que certas realidades se transformam no Brasil. Mas escolher um partido deve obedecer a preceitos mais nobres do que o ódio por outra agremiação partidária ou pelas ideias pré-concebidas e hereditárias, sejam herdadas da mídia ou do tradicional papai e mamãe.

Mesmo com o espaço ganho por organizações civis e, sobretudo, por grandes empresas nos locais de tomada de decisão, o prélio partidário ainda reina. De maneira trágica, a democracia que se conhece aqui carece da intermediação de partidos que mais votam conforme os desígnios de alianças do que propriamente atentando aos direitos e necessidades da população.

No entanto, a aliviante culpabilização genérica do “todo político é corrupto”, desresponsabiliza-nos de nossa ação individual. Em meio ao conformado e desenfreado acusacionismo, nos tornamos mero “mais um”, sem responsabilidades.

Assumindo certa moral, moral política para indivíduos coletivos e, consequentemente políticos, a assunção partidária deve obedecer aos doces e aos acres. Se escolhemos uma legenda pela ideologia, ou mesmo pela rinha partidária, somos compelidos a nos responsabilizar pelos males do partido ao qual dedicamos nosso voto. Afinal, o colocamos lá.

A democracia representativa tem suas faces, férteis ou inférteis. Precisamos assumi-las todas enquanto assim for, até que a democracia seja vivida como democracia.

Em meio à desculpabilização universal e a poeira encobridora do cotidiano, as filas em hospitais hão de continuar, assim como o trânsito, a violência e todo o leque de bem conhecidas mazelas sociais.

Só colheremos na vida os frutos de um coletivo saudável quando nos responsabilizarmos pelas políticas que na urna alimentamos.

Um comentário:

Bruno Linhares disse...

O caminho para se atingir um cenário político que atenda a população é fazer a população, o eleitorado, atentar para sua responsabilidade no "jogo do poder". É resgatar a confiança na política. Acabei de redigir um artigo tratando do assunto, recusando a proposta de voto facultativo: http://oandarilho01.wordpress.com/2012/04/12/o-voto/

Afinal, se o poder emana do povo, esse povo tem que saber lidar com o poder, como já disse o Tio Ben...