“Pós-modernidade”,
mundo sem sentidos e desamparo são ideias efusivamente trabalhadas por
pensadores dos nossos dias. Muitas vezes essas concepções escondem ignóbeis
e/ou artificiosos propósitos. A constatação do desamparo, do abandono e da
ausência de sentido nesse mundo atroz é o primeiro passo para o acorrentamento
a uma doutrina, seja ela qual for.
“Ser culto
es el unico modo de ser libre”, disse certa vez José Martí, heroi da primeira
independência cubana. Não a toa a segunda independência de Cuba seguiu esperançosamente
o pensamento de Martí, e a educação na Ilha ainda é invejável.
Mas voltando
à fatídica e belicosa sociedade monetária dos dias presentes, onde poucos têm
acesso ao caminho dos cultos, o discurso do desamparo arrebata os desiludidos
das mais diversas formas, essencializando a vida, dando-lhe um sentido
clandestino.
A começar
pelo eterno e temporal poder religioso. O discurso acalorado, entusiasmado e
reconfortante é, grosso modo, o mesmo
em diversos credos. Os desenganados são tocados, mesmo pelo discurso do
evangelismo empresarial e sua chaga social, e vertem lágrimas e lealdade
incondicional a uma ou outra fé.
Deste modo,
as almas humanas originariamente livres se atam e se essencializam num padrão
existencial exigido pelos mandamentos da fé. Mas esse fenômeno conhecemos bem,
ultrapassou séculos e ainda ancora em qualquer tempo.
A exemplo do
trilhado caminho da fé, encontram-se os manuais de vida. Literatura fácil que
abraça os desamparados e enriquece os, supostamente, conhecedores do viver
feliz.
Profusão de
exemplos, como os romances de paralelismo, parábolas que, hipoteticamente,
transcendem contextos sociais e históricos e valem universalmente pois
concordam com a tal natureza humana. Ou mesmo a aclamada literatura
corporativa, na qual os administradores encontram o sentido da vida num manual
de negociação. Sem contar as infindáveis reinterpretações de clássicos como “A
arte da guerra” e “O Príncipe”, ativamente descontextualizados para servir aos
conhecedores de cases de sucesso, sucesso
para quem?
Antes
aceitássemos nossa indefinição, não seriamos reféns de sentidos criados com
sabe-se lá que propósitos. Melhor seria se reconhecêssemos a inabalável
ausência de sentido do existir, pois que daí iniciaríamos a busca por um
sentido propriamente nosso.
Já dizia o
filósofo francês Jean-Paul Sartre que “(...) somos condenados à liberdade”. Na
investigação ontológica do alemão Martin Heidegger nos deparamos com a ideia do
vazio do nada, da angústia existencial. É a angústia que abre portas, por assim
dizer. Todavia é insuportável.
Mas existir
é insuportável, qual o peso de carregarmos a nós mesmos nesse insólito percurso
que é a vida? Dessa feita, nos essencializamos excessivamente em credos,
“auto-ajudas” e fontes de sentido pré-fabricadas, no sentido econômico do
termo.
O difícil
enfrentamento da própria existência e da responsabilização pelos próprios atos
alimenta, por exemplo, para retornar ao senso do blog, a desatinada tomada de
partido e posicionamento político, como tentarei abordar em texto vindouro.
Os sentidos
construídos por terceiros permanecem àqueles que fogem de si mesmos. E aos que
encaram o desamparo inerente à existência humana, é tão indigesto aceitar esses
sentidos quanto é difícil combatê-los.
Nenhum comentário:
Postar um comentário