Foi de algum
modo reascendido no Brasil o debate político estrutural com a vinda da
blogueira cubana Yoani Sánchez ao país neste fevereiro. Uma esquerda
invulnerável a contrapontos usou da censura e de comportamentos despóticos para
calar a dissidente. Já a náufraga oposição de direita no Brasil encontrou em
Yoani a santa libertária que a livraria da deriva a ponto de, “oximoro nosso tropo”, um defensor da ditadura militar brasileira como Jair Bolsonaro defender
o direito de expressão de Yoani. Tudo isso leva a resgatar e incrementar uma
máxima do francês Jean-Paul Sartre que dizia que “O inferno (e ditadores) são
os outros”.
A esquerda
acrítica conseguiu calar Yoani em Feira de Santana (BA), local onde a blogueira
iria exibir o documentário “Conexão Cuba-Honduras” do qual participa. Como bem
apontado por Cynara Menezes em artigo na Carta Capital, é o regime cubano que
alimenta a legitimação da luta pela liberdade de expressão de Yoani. É fato,
dos mais condenáveis, que não há tanta liberdade de expressão em Cuba e que a
organização fora do Partido Comunista é limitada.
Dessa forma,
é sábio dialogar dentro do campo em questão: liberdade e, mais precisamente,
liberdade de expressão. O regime dos Castro e as manifestações contrárias a
Yoani no Brasil só fazem justificar o status de libertária com que a mídia
pinta a blogueira cubana. Yoani encontra fácil eco para sua oposição no
oligopólio da mídia. Oligopólio que defende liberdade de expressão e democracia,
mas ainda oligopólio. Mais do oximoro, pra mostrar que o materialismo histórico
dialético está certo em apontar que as contradições precisam ser superadas.
A esquerda
efetivamente revolucionária deve dar voz a Yoani, mas debater com a mesma
liberdade. Uma esquerda burocratizada por bandeiras partidárias não é
revolucionária e se acomoda, se tornando também paradoxal. Uma esquerda
comprometida com o que defende enfrenta o debate, sem cerceamento, com
inteligência.
Como
exemplos, devo citar a entrevista de Yoani concedida à Carta Capital em que
fica claro o apelo da blogueira a expressões de efeito quando não tem resposta
e a crítica à liberdade de expressão sem considerar as circunstâncias
envolvidas no presente e as que viriam no futuro, fossem seus desejos
realizados. Assim como o preciso texto de Pedro Estevam Serrano na mesma Carta.
Mas, acima
de tudo, é esclarecedora a entrevista que Yoani dá ao francês Salim Lamrani, na
qual a blogueira é engolida pelos fatos: se contradiz sobre sua suposta
agressão política em 2009; não consegue demonstrar uma clara censura a seu blog
e à sua liberdade de expressão por parte do governo cubano; não é capaz de dar outra
razão para as dificuldades econômicas de Cuba além do bloqueio dos EUA; defende
a privatização de setores do Estado cubano; reconhece o financiamento dos EUA a
dissidentes cubanos e leis de incitação à emigração e demonstra, ignorando essa
série de circunstâncias, uma crítica também ela acrítica.
A liberdade
de Yoani se pronunciar deve não só existir, como ser defendida. Mas que também
haja liberdade de contestação do que a blogueira expressa, e que ela tenha a
liberdade de responder essas contestações, quando for capaz.
Toda e
qualquer censura é fruto de uma incapacidade de diálogo. É tão contraproducente
quanto uma defesa da liberdade de expressão por conveniência partidária, ou
antipartidária. Para dar nome aos bois, a censura que militantes partidários
colocam a Yoani entra no mesmo balaio da defesa de liberdade de expressão de
antipartidários dos primeiros, essa defesa por puro interesse e restrita ao
caso cubano.
A
tradicional briga de comadres, sobretudo entre fervorosos petistas e
antipetistas, no Congresso ou na internet.
Não se pode
ser injusto e falar numa liberdade sem se referir à outra. Os que defendem
Yoani não podem desconsiderar a liberdade que foi retirada do governo e do povo
cubanos com o despótico embargo dos EUA, ato de guerra desde a London Naval
Conference em 1909, e que castiga Cuba enormemente. Assim como os críticos a
Yoani devem reconhecer, sobretudo, limitações a manifestações políticas contrárias
ao governo dos Castro, por mais que a realidade não seja tão tirânica como
pintada pela mídia.
Liberdade
era um conceito caro também para Sartre, supracitado. Mas uma liberdade
condicionada pela existência física, histórica e social. E uma liberdade, acima
de tudo, inescapavelmente ligada à responsabilidade do indivíduo condenado a
ser livre. Para permanecer nesses paradoxismos tão coerentes.
Mora aí a
responsabilidade não assumida nem pelos militantes reacionários que censuram,
nem por Yoani e as consequências que seus não-ditos provocam e nem pelas oposições,
a antipartidária e a contrária ao regime cubano, que não se responsabilizam na
defesa de caminhos diferentes e melhores para a ilha. Assim, liberdade boa é
sempre a nossa, e os tiranos (e o inferno!) continuam sendo sempre os outros.
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