Coroando uma trajetória recente repleta de desvios, o último maio do
governo federal foi particularmente intragável. Já não é novidade, nem mais
surpresa, que a administração petista apunhala a sangue-frio os princípios e
valores de fundação do partido. Mas nesse decorrido mês ficaram ainda menos
nítidas as fronteiras que divisam a terra petista da praia privatista. A MP dos
portos e a 11ª rodada de leilões dos blocos exploratórios
do petróleo mancham com outras cores uma já desbotada história.
Abril já foi fechado à democratização da mídia, com o fortalecimento do
oligopólio da informação pelo próprio governo federal. Em 05/04, Dilma
sancionou a MP 612 que desonera a folha de pagamento de empresas de diversos
setores, incluindo o jornalístico e televisivo, até o fim de 2014. Aprovada
pela câmara na última terça-feira (28/05), a MP alivia esse concentrado setor
em R$ 1,26 bilhão. Um nectarino afago ao cartel que já recebe 72% das verbas
publicitárias do governo federal e uma boa dose de fel à já complicada Previdência.
E a contrapartida inexiste, lembrando que o Grupo Estado já desonerara
sua folha de pagamento com o fechamento do Jornal da Tarde ao cair de 2012 e
com recente enxugamento do principal veículo, com consequentes demissões, nesse
mesmo abril.
Mas o maio federal veio de rachar. O prestígio com o capital privado e
oligopólios vai distanciando ainda mais o governo petista das necessidades do
povo brasileiro e do fortalecimento do Estado garantidor de direitos, bandeiras
petistas até há pouco.
A começar pela MP 595, dos portos, aprovada de tabelinha no congresso no
meio de maio e a espera da sanção presidencial. Apresentada como necessária
medida para modernização da infraestrutura portuária brasileira, a medida
provisória esconde os verdadeiros vencedores daquela batalha travada nos mares
de Brasília.
O que o oligopólio da informação não publica em seus jornais são os
interesses do oligopólio de armadores marítimos (Maersk, Hamburg Sud etc),
mega-empresas que já possuem portos particulares, controlam os fretes e
consequentemente o preço dos produtos transportados nos sete mares. Na costa
brasileira, apenas 10 mega-investidores já dominam a cabotagem (Opportunity
Fund, Eike Batista etc), e a medida provisória há de reforçar e assegurar essa
concentração.
Pescando pretextos, a política de concessão dos portos públicos em
detrimento do controle estatal reforça o mote do privatismo tucano: vende-se
por não se ter dinheiro para gerenciar. Justificativa barata, uma vez que o
BNDES há de financiar, como sempre o faz, empresas vencedoras de concessões governamentais
em setores vitais da economia brasileira. Um naufrágio do interesse nacional e
do erário.
E como poderia uma política que favorece um oligopólio baratear as
tarifas e assegurar a competição? É o mito da livre concorrência, contrário aos
interesses nacionais como aponta o estudo Port Reform Toolkit do Banco Mundial.
Alternativas para uma real modernização da infraestrutura portuária
brasileira existem. E há em Brasília ideias para isso, como a ampliação e
recuperação da malha ferroviária nacional, arrancada pela ditadura militar; o
fomento à construção de silos nos terminais de grãos e, sobretudo, a
participação do Estado na busca pela isonomia na redução de tarifas portuárias e desburocratização de agências como Anvisa e Receita Federal nos portos.
Há ideias e pessoas, caso dos deputados do PSOL Chico Alencar (RJ) e Ivan Valente (SP) e do senador Roberto Requião (PMDB-PR). Este último, aliás, fez
significativo pronunciamento sobre essa entrega que o governo federal realiza
de setores estratégicos ao capital privado.
Dentre esses setores, está o petróleo, já não mais tão “nosso” como
outrora garantia a constituição. No bazar neoliberal dos anos 90, uma das operações
realizadas por FHC na Petrobrás foi a quebra do monopólio estatal sobre o petróleo
com a lei nº 9478/97.
Assim, desde 1997 o governo
federal realiza leilões para exploração dos blocos em concessões, com forte presença
do capital privado e visível prejuízo público, pois o país só arrecada o que é
pago em leilão e migalhas de royalties.
Natural que fosse assim num governo afeito à privatização como o de FHC.
Mas “aí sim, fomos surpreendidos novamente”. A continuidade da lógica
privatista com o governo petista é não só aterradora como de muito mau gosto.
Há alternativas de exploração desses blocos de petróleo com maior
vantagem nacional. Mas a ANP, uma espécie de quinta-coluna autorizada com o
respaldo do governo federal e do Ministério de Minas e Energia, abre as portas
do petróleo e gás natural nacionais ao capital privado.
A lei nº 12351, promulgada por Lula em dezembro de 2010 e que dispõe sobre o
regime de partilha na exploração das reservas do pré-sal, criando também o
fundo social, traz regras mais próximas aos interesses do país. Mas fora da área do pré-sal continua esse privatismo herdado, à base de concessão, e aqui
também vai Eike, com minguado ganho nacional e adiposos lucros privados.
Dessa forma, são os oligopólios nacionais e
estrangeiros que mais se aproveitam desse modo de governar tão pouco vermelho e
tão pouco popular. E a política de privatização ataca em outras frentes
essenciais ao país, como a produção de energia em hidrelétricas. Com recente fim
da concessão da hidrelétrica de Três Irmãos (SP), há grande chance do MME
leiloar a oligopólios mais esse recurso nacional. Em novembro já haverá leilão
do pré-sal. Vêm vindo novos, e obscuros, meses para o interesse do povo
brasileiro, trazidos por mãos que antes agitavam melhores bandeiras.
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