terça-feira, 24 de maio de 2011
amanda gurgel e #preçojusto. A opinião pública líquida.
sexta-feira, 20 de maio de 2011
A invenção do PSD
O sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que tem esquadrinhado cada canto de sua consciência em caça ao orgulho de seu partido, não por acaso ocupa hoje o cargo de presidente de honra do PSDB. Honra essa ferida pela recente migração diaspórica de tucanos a bater asas rumo ao colo receptivo do mais recente sinal da precariedade política nacional, o PSD. Sim, afinal esse novo PSD é um partido inventado, que nasce sem direção definida, com princípios falaciosos e fruto de uma sórdida investida eleitoreira, pois os recentes 43% de rejeição do prefeito Gilberto Kassab, fundador da sigla, alertam que é prudente não se opor aos 73% de aprovação da presidenta Dilma Rouseff. E isso ocorre dessa maneira por que Kassab e seus novos amigos almejam cargos eletivos num futuro próximo, e nada mais oportuno do que desvencilhar seus nomes de uma direita em um caricato e anunciado processo terminal, apesar do que tentam demonstrar as recentes sandices de FHC.
Há uma motivação perversa por trás da criação do PSD, e isso incomoda resistentes da oposição direitista que dedicam lágrimas, suor e honorários a barrar um claro sinal de sua decadência, estampada em cada baixa que esses opositores enfrentaram, enfrentam e ainda hão de enfrentar. Discute-se já a possibilidade de fusão entre PSDB, DEM e PPS, numa tentativa de salvar sabe-se lá que ideologia política e em nome de sabe-se lá que futuro. Enquanto isso, Kassab arrebanha opositores menos arrependidos que oportunistas, afinal a política ainda se faz mais na imagem do que na ética, e tal infeliz situação é o álibi ao qual a nova turma do PSD se agarra com intenções exclusivamente eleitorais.
A caixa de Pandora, que é inacessível a uma colossal parcela da sociedade brasileira, contém em seu interior, e a alegoria mítica é proposital, a linhagem do PSD. Poucos conhecem, ou se conhecem ignoram, a ascendência política do novo grupo encabeçado por Kassab. A raiz do PSD foi aquela que “inventou a tristeza” e não teve a “fineza de desinventar” numa das passagens mais atrozes da história brasileira e já “desbotada na memória das nossas novas gerações”, para abusar da frutífera referência. No recente enfraquecimento da direita, os remanescentes da ARENA têm pagado, mas não dobrado, as lágrimas roladas no penar de outrora de muitos brasileiros. No correr da história, as crias da ARENA, sustentáculo do governo militar, ainda levantariam as bandeiras do PDS e do PFL antes de se chamarem, ironicamente, de DEMocratas há quatro anos. Além dessa descendência, que já é assombrosa, Kassab é afilhado político de Maluf, foi secretário de planejamento de Celso Pitta e carrega o mesmo modus operandi dessas duas doces almas que imperaram a paulicéia, todos os três com gestões pouco democráticas e extensos acervos de controvérsias.
As campanhas iniciais do prefeito Gilberto Kassab tentando alinhar a ideologia de seu novo partido à ideologia desenvolvimentista do antigo PSD do presidente JK são delirantes e de má-fé, pois carregam um desrespeito pelo povo, pela história recente do Brasil e pelo próprio JK. O DEM-PFL-PDS-ARENA, do qual Kassab é politicamente afilhado, colocou o PSD de JK na ilegalidade durante o regime militar com o AI-2 em 1965. Essa pretensa consanguinidade é mais um sinal da desesperada peleja do prefeito de São Paulo contra seu sujo passado político, e se mostra ainda mais infundada, pois qualquer testemunha mais atenta constata que o desenvolvimentismo passa a milhas da capital paulista.
O espólio burocrático e o fator governabilidade fizeram com que muitos setores da base do governo aceitassem com bons olhos a criação do PSD. Isso porque dentro das manobras político partidárias do congresso é positivo ter mais aliados ou neutros do que carregar o mesmo número de adversários. Além disso, as líricas trocas de olhares entre partidos da base governista e o PSD de Kassab são resultado da insatisfação desses setores da base com a nomeação de cargos do primeiro e segundo escalão no governo federal. Dado o poder de governo do novo bonde do Kassab, com prefeitos e governadores já em atividade, e os olhares voltados a 2012, é lucrativa a adesão ao PSD tanto para governistas quanto para oposicionistas.
Mas onde ficam as afinidades ideológicas nessa torre de babel, existem? E a ética governamental e o compromisso com a população, alicerce da política de fato, onde aparece nessa panela partidária? São Paulo, por exemplo, ainda pede socorro para 2010, não para 2012. A cidade precisa de creches, hospitais e corredores de ônibus, não um partido novo para o mesmo prefeito.
Assim, um novo cenário político nacional se arquiteta: No topo um governo que conduz o Brasil enfrentando defeitos políticos estruturais e uma herança histórica de descuido em diversos setores, como educação, saúde e tributação, pra citar alguns exemplos; uma oposição asfixiada, à direita, que tenta recuperar os cacos de sua vaidade abalada pelo fenômeno Lula e pelo escoamento de sócios através do único corredor que Kassab efetivamente criou; uma eleita oposição crítica e responsável, à esquerda, com a ética política necessária a transformar o Brasil, mas sem a atenção que merece por parte da velha e viciada grande mídia; uns errantes e manejados no meio disso tudo, afinal ser parlamentar é um emprego assaz lucrativo; e por fim os escapados, os lisos, os candidatos de 2012 do PSD, que não conseguiram se sustentar ideologicamente nesse novo cenário e inventaram um partido para sobreviver.
terça-feira, 10 de maio de 2011
Educação do cabresto e a pedagogia do cacete
No entanto, foi necessária uma chacina infanticida para que o ambiente hostil nas escolas fosse discutido com mais atenção nos grandes veículos de comunicação. E, contrariando ainda mais os etólogos, filósofos e outros pensadores, muitos especialistas ouvidos por esses grandes veículos são tão reativos quanto os demais animais, propondo alternativas imediatistas para um problema que ultrapassa as medidas disciplinares e de segurança que discutem. Detector de metais nas portarias? Seguranças armados? Alunos trancados nas escolas? Qual é o próximo lampejo de criatividade desses especialistas: coletes a prova de balas no uniforme escolar? Policiais com fuzis rondando os corredores? A lógica reativa desses especialistas transforma ainda mais a escola num ambiente hostil, sepultando toda e qualquer tentativa construtiva de fazer a educação ter sentido, e sentido amplo.
Aliás, qual o sentido da educação? Ensinar de forma “bancária”, como alertou Paulo Freire e como ainda se pratica muitas vezes? Adestrando almas de assalariados, acabrestados e acríticos a um destino pronto, em que nada do que se aprende na escola faz sentido? Há uma lógica desumana nas soluções imediatistas de determinados especialistas e uma proximidade dessas saídas com a forma de educação excessivamente disciplinar, quase penal, que normatiza um ensinar como “transferência de conhecimento”. E vou além: qual o sentido de ser especialista? Ter pleno domínio de um assunto específico? Acredito que alguns de nossos especialistas são vítimas do modelo mesmo que propõem: um modelo estreito, disciplinar, reto, algo militar. Também eles carregam um cabresto em suas especialidades, afinal a educação já não se mostra só comprometida nas escolas, mas conhece uma falta de sentido também nas formações superiores, como se tem notado.
Muitos especialistas ouvidos pela grande mídia após o massacre de Realengo não procuraram compreender o sentido da hostilidade escolar, que não é recente, numa cadeia de pensamentos que se espera dos seres cognitivamente superiores. Eles reagiram de pronto, com propostas pontuais que constituem uma tecnologia disciplinar, uma lógica proibitiva, penal. Há muita coisa sendo dita nos episódios de violência nas escolas, mas pouco é escutado por esses especialistas e pelas autoridades responsáveis, pois suas lógicas educacionais são incompatíveis com uma educação de fato, que tenha sentido para quem participa diretamente desse processo. Uma educação compreensiva, não punitiva. Uma pedagogia emancipadora, não restritiva. Uma escola que respeite os alunos em sua diversidade e no caminho ainda a trilhar, que faça a educação ter sentido. Tudo isso permanece distante da realidade da grande maioria das instituições de ensino pelo país e mais distante ainda dos discursos de certos especialistas que endossam uma pedagogia do cacete e uma educação forçada, sem sentido, inútil.
É urgente compreender o crescente de hostilidade e violência nas escolas, em cadeias complexas de pensamentos que nos permitam encontrar os núcleos desses males e ir além de medidas pontuais e reativas. Há muito material e pessoas preparadas para isso. Felizmente há especialistas com uma visão mais crítica da educação, mas esses ainda não estão no lugar certo. De um modo geral ainda sofremos com administradores públicos que governam como se gerissem corporações. Prefeitos e governadores que tratam o orçamento para a educação como custo, não como investimento.
A recente decisão do STF sobre a constitucionalidade do piso salarial de professores é um passo, mas ainda há léguas a caminhar num percurso que passa pela manutenção da pedagogicidade do espaço educacional, pelo enfrentamento de um legado político de descaso, pela promoção de uma cultura da educação que ainda é escassa no Brasil e por uma série de outros fatores que nutram de sentido a educação.
E que a forma abrangente e crítica de compreensão, necessária a uma intervenção mais fecunda na educação brasileira, reflita na prática do ensinar, negligenciada também por um ineficiente sistema disciplinar, normativo e comercial de tempos passados. Afinal, ou mudamos o modo como pensamos a educação ou mudamos o tamanho da distancia que nos separa dos demais animais.
Yuri Ongaro (10/05/11)