Em “Bolsa sim, ‘emprego’ não”, intentei desenhar, em linhas gerais, uma critica às
moralistas e recorrentes reprovações feitas aos programas sociais do governo
federal. Para além de uma defesa pura das bolsas, endossei um ponto de vista
fundamental dos assistidos por esses programas. Condenei o chavão do trabalho
como obrigação moral, realçando a incoerência dos que criticam os socorridos
com dinheiro público.
Foto: iG |
Mas tudo
isso pode ser bem considerado no próprio texto, inclusive a alternativa à
inumana ideia de “emprego”. Sem um trabalho que faça sentido, até o mais
rabugento dos críticos às bolsas rogaria ajuda governamental. Ou não,
continuaria na cega subordinação, tendo apenas o salário como recompensa.
Conformismo crônico, morbidade moderna.
No entanto,
também está presente no supracitado texto a observação de que a política de
benefícios sociais através de bolsas não é a ideal. E não o é por não tocar na
estrutura. Por mais que milhões de pessoas passem a ser economicamente ativas,
seja lá o que isso valha, esferas cruciais da justiça social não são
contempladas.
É o caso da
educação, unânime base para tudo. Houve um aumento do acesso a universidades,
privadas, com enriquecimento da população. Mas não se assegura qualidade quando
a educação se torna alvo de uma população economicamente ativa, consumidora.
Torna-se produto, consumo, coisa.
A crítica à política de bolsas deve delatar o
enorme risco, paternalista e eleitoral, de um assistencialismo crônico. Não que
os assistidos se acostumem ao benefício, mas que o governo se limite a dá-lo.
Quanto ao
imperativo cidadão do acesso à educação, tem sido de grande sentido a
mobilização das universidades federais em torno de condições docentes e
discentes decentes. A maior mobilização do tipo no país não tem sido
considerada nem pela grande mídia, nem pelo governo.
A
paralisação tomou proporções alarmantes e tem tocado em feridas abertas há
séculos na terra brasilis. Não se faz um país sem bem formados cidadãos. Não se
faz um povo sem bem formados profissionais. Não se faz um Estado sustentável
sem um protagonismo da educação.
Para tanto,
não só não basta o acesso a universidades privadas, como também esse acesso
perverte o propósito da educação. Direito do cidadão e dever do Estado.
Dever e
interesse. Afinal, com bem formados e remunerados médicos, biomédicos,
enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas e afins, a universalização da saúde
pode ser atingida, com propósitos mais humanos e menos comerciais. Com bem
formados e remunerados professores e pesquisadores, as metas de educação serão
realidade, sem o abismo de segregação entre escolas públicas e privadas, e com
ênfase à produção intelectual crítica e acessível.
No entanto,
os frutos desse cultivo são de longo prazo. Desinteressantes num país cujo
sistema político ainda é sujeito aos humores eleitorais.
Não se justifica a postura pouco diligente do governo federal em, primeiro, discutir a
situação com os sindicatos dos docentes das universidades federais e, segundo,
trabalhar propostas que deem conta das reais necessidades do ensino superior
público. Em planos ousados.
Espanta,
ainda mais, toda a intransigência exposta pelo MEC desde o início da
mobilização. Afinal, os que lutaram pelo direito à greve e inclusive à educação
gratuita e de qualidade num Estado justo, hoje comandam um governo com pouca
disponibilidade a negociações.
Um governo
que ainda se rende à anacrônica estrutura das alianças e lobbies em oposição à
sustentação popular. Um governo que deveria aumentar seu percentual de
investimento na educação para mais dos 20% atuais, deixando a estados e
municípios, entes desconhecidos muitas vezes, o restante.
O PL8035/2010, Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020, aguarda
recursos na câmara. Até então prevê 10% do PIB para a Educação, uma dura
conquista contrariando o plano inicial do governo.
Os programas
sociais são essenciais pra um povo que carrega o fardo da desigualdade há 5
séculos. Mas sem condições de trabalho, desenvolvimento e acesso à educação
pública e de qualidade, as mesquinhas críticas ao comodismo das bolsas tendem a
ganhar razão e certo apoio na realidade.
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