terça-feira, 3 de julho de 2012

Vida de assalariete

As empregadas domésticas do fantástico mundo
da Globo são popstars. Mas na prática a teoria é outra.
Por fonte não muito confiável, a própria emissora, tomei conhecimento do aloucado, delirante e cavalar enfeite deitado sobre o trabalho de empregada doméstica numa das novelas globais. As “empreguetes” acordam cedo, moram longe do emprego, pegam condução cheia, enfrentam o desdém da patroa, a exploração das filhas da patroa, só conseguem pensar no sofá de casa e, mesmo assim, viram superstars.

A boa e velha ode ao trabalho servil, sofrido, mal pago, sem sentido e sem futuro. Não é de hoje que a Rede Globo exalta e decora fantasiosamente o sofrimento diário e de toda vida do assalariado, ou assalariete.

Em novela recente, uma dona de casa enfrenta preconceito do filho, dificuldades financeiras, trabalho exaustivo e toda espécie de fado de qualquer outro trabalhador. E, como também calha diariamente a qualquer outro trabalhador, ganha na loteria.

É chique ser assalariete, dá até na novela. Você que tem empregada doméstica na sua residência seguramente já parou para refletir sobre o trabalho da moça que lava seu vestuário íntimo. Se não, tente, pelo bem da sua consciência. As profissionais reais vivem uma rotina sem brilho.

Arte que institui e adorna o abismo social que predomina no país deve ser contestada. As atrizes Taís Araújo, Isabelle Drummond e Leandra Leal podem ser chamadas de “Cheias de Charme” sem muito receio da névoa da imprecisão.

Mas a questão é se vale a pena interpretar empregadas que viram estrelas, ou se mesmo podem representar as empregadas domésticas espalhadas pelo Brasil.

Não que estejam moralmente impedidas de interpretar. É da natureza de profissionais cênicos encararem os mais contrastantes papéis. As mais diversas realidades. Além de todas as três carregarem experiência e reconhecimento, são grandes profissionais.

Mas transmitir, com luxos excêntricos, o júbilo de enfrentar desdém, exploração, transporte ruim e rotina desgastante, foge ao bom senso e mesmo à realidade que desejam representar.

As gatas borralheiras contemporâneas pintam conquistas na irrealidade, no imaginário. Ao mesmo tempo, a realidade palpável da emissora que faz o circo é a de atalhar sucessos das pessoas representadas em suas novelas. Fazer sonhar é mais rentável que realizar sonhos. É o sistema.

É tradição do “padrão Globo de qualidade” pintar, com as melhores cores, as tragédias nacionais. Foi assim durante o Regime Militar com manipulação de notícias e imagens; é assim com o jornalismo partidário e encobridor da corrupção envolvendo parceiros da emissora; e naturalmente, pelo mesmo caminho, segue o entretenimento de antolhos que conforma o assalariete à sua devida condição, tão promissora na ficção.

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