Foto: Felipe Gesteira |
Desde a instituição de programas sociais como o Bolsa Família
pelo governo federal, a imaculada ala dos corretos chia com a concessão dos
benefícios: “bolsa-esmola!” bradam os infecundos críticos de qualquer coisa;
“Só querem bolsa, trabalho nada!” impugnam os incorruptos advogados da moral
classemedista.
No entanto, mesmo estufando o peito com ares de exegetas
político-sociais, de nada sabem esses presunçosos desinformados das coisas
palpáveis, do alto de seus apartamentos, carros, celulares e Facebooks.
Criados em ambientes confortáveis, tendo televisor toda vida,
computadores, educação e lazer à altura das mimadas mãos, jamais sequer
imaginaram os perrengues por que passam romarias de despojados que nascem,
vivem e morrem pobres, há séculos, sobre o chão brasileiro.
Não é a intenção moralizar. Mas não são válidos, muito menos
éticos, comentários cotidianos boiando na superficialidade do conhecer humano.
A tendência dos que são contrários aos programas de transferência de renda é a
de repetir um discurso desbaratado, carregado de moralismo e sem pé na
realidade. Isso porque julgam o caboclo pobre dos rincões nacionais à luz de
seus quartos aconchegantes e bem decorados.
Exemplo semelhante veio das doutas mãos de Luiz Felipe Pondé,
ao criticar os que analisam a realidade dos indivíduos tendo o social como pano
de fundo. Sem entrar em pormenores, o venerado filósofo do horário nobre
considera sensato supor a realidade de indivíduos socialmente oprimidos do alto
de seu confortável habitat nos Jardins, Higienópolis ou arredor análogo.
É fácil, e cômodo, descortinar o chavão de que fulano vai se
acomodar com o dinheiro, não vai querer trabalhar e, por grosso silogismo, vai
viver à custa do Estado. Esse raciocínio é inocente, ou farto de uma deletéria
lógica “arbeit macht frei”.
Inocente, pois boia na onda e repete, papagueia simplesmente.
Ecoam por essas vazias mentes também urros de “político é ladrão”, “Fora
Sarney!” e, mais recentemente, um obsessivo “#vetaDilma”. Como são, por que são
e quais as intenções de ser desses programas de transferência de renda são
enigmas abstrusos e insolúveis para quem está mais empenhado com seus próprios
apetites.
Quanto à honra do “trabalho liberta”, não há aforismo mais anacrônico.
E, como os da inocência, os que agitam essa bandeira não enraízam suas
convicções. São aqueles que cobram corte de bolsas porque o “pobre acostuma”, e
apontam o dedo condenando o cidadão ao batente. “Vai trabalhar, vagabundo!”.
Mas são também esses indefectíveis críticos que resmungam de segunda-feira, do trânsito
e do fatal e maldito final do fim-de-semana.
Não há argumentos que sustentem, sob o ponto de vista da
saúde do ser humano, o emprego como algo que liberte, engrandeça ou garanta uma
vida saudável para um e para todos.
Os que defendem trabalho assalariado para os beneficiados por
programas sociais, além de carregarem uma moral do lucro, para regozijo daqueles
que verdadeiramente lucram, ainda passam longe da compreensão do ser humano
como autor de sua própria vida.
Essa repreensão sequer reflete sobre o sentido do trabalho.
E, mesmo reclamando do patrão e das outras cruzes de suas próprias atividades
remuneradas, essas críticas almas repetem incessantemente o adágio da moral
“vai trabalhar!”.
São falsas muitas das condenações ao Bolsa Família. Não é o
programa ideal. Mas num país (leia-se cidadãos, governos e setor privado) que
cultivou, e ainda cultiva a desigualdade econômica, política, social e
cultural, essas medidas são urgentes.
Urgentes para que muitos brasileiros tenham o que comer, como
se vestir, como comprar remédios, tenham condições de estudar. São medidas
urgentes para se criar condições nas quais os beneficiados possam crescer. Mas
só crescerão de fato quando a moral do emprego assalariado der lugar ao
movimento pela cidadania, pelo trabalho coletivo, cooperativo, social e com
sentido para o cidadão, para o povo e para o Brasil.
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