sexta-feira, 4 de maio de 2012

Mirem-se no exemplo


O país tem pouco mais de 403 mil habitantes em cerca de 103 mil km². Independente há cento e poucos anos, a república é jovem, 68 anos. Com 99% de alfabetização e mortalidade infantil não passando de 2,9 crianças por mil nascidas, esse pedaço de terra cercado de água está consideravelmente distante do continente europeu, física e democraticamente.

Com a ajuda do Mapa de Caracteres e do Google Translator,
acima está algo como: "Parem de oprimir o povo no país"
Enquanto a oligarquia assola a zona do euro, a Islândia se sobressai pelos atos de soberania do povo. Um pedaço de democracia cercado pela austeridade à “Merkozy” e pela recessão. O referendo grego do Ágora ou Nunca seria um bom exemplo às cúpulas financeiras que tentam controlar a crise as custas da população. Seria, não fosse a adaga do FMI a cutucar os anseios democráticos helênicos. O exemplo não saiu de Atenas, não obstante a música.

Com a eclosão da crise financeira de 2008, ouvimos boatos de nacionalização dos bancos na Europa e mesmo nos EUA, para agonia dos liberalistas. No entanto só aquela pequena ilha a noroeste do velho mundo promoveu o feito. Os três bancos privados islandeses, Glitnir, Kaupthing e Landsbanki foram nacionalizados em outubro de 2008. Mesmo assim a Islândia sofreu os duros golpes da recessão.

A coroa islandesa despencou, a Bolsa de Reykjavik sofreu queda de 76% e suspendeu suas atividades e a falência da ilha fora decretada. À época, 2008, foi o país que mais sofreu com a crise no mundo.

No início de 2009 inicia-se o protesto. O povo islandês começa a se concentrar em frente ao Parlamento (Althingi) e ordena a renúncia de todo o governo conservador, comandado por Geir Haarde.

Foram convocadas eleições antecipadas e, em abril do mesmo ano, os islandeses deram a vitória à coligação formada pelo Movimento Esquerda Verde e pela Aliança Social-Democrata, elegendo Jóhanna Siguðardóttir como sua primeira ministra. Para salientar o caráter exemplar da mudança de governo, Jóhanna é a primeira mulher a ocupar a liderança do parlamento islandês, além de ser homossexual assumida.

Um paraíso do neoliberalismo sob o comando de Haarde, a Islândia costumava abrir os braços ao capital financeiro estrangeiro, principalmente ao britânico e ao holandês. Com a quebra dos bancos islandeses, sobretudo o maior, Landsbanki, os governos da Grã-Bretanha e da Holanda abriram ação para a indenização de seus clientes, a conta tendo que ser paga pela Islândia.

A dívida ficou estimada em 3,5 bilhões de euros e recairia sobre o povo islandês, pois a venda dos bens do Landsbanki não cobriria a tal dívida em sua totalidade, e a responsabilidade pelos débitos do banco era do governo que o nacionalizou.  O Parlamento aprovou uma lei que cobrava de cada cidadão islandês o ressarcimento da dívida, assim, dividida.

Novamente os islandeses tomaram as ruas em 2010 e exigiram referendo para a tal lei. Em janeiro de 2010 o presidente, Ólafur Grímsson, se recusa a sancionar a lei e declara que será feita a consulta popular.

Ágora. Em março, 93% dos islandeses votam pelo não pagamento da dívida. Enquanto Grécia, Irlanda e Espanha são exemplos de países que sofrem com as exigências do FMI para pacotes de austeridade e recusa de referendos por parte dos governos, na pequena ilha ártica o povo é quem decide os rumos da nação.

Em seguida, os responsáveis pela crise dos bancos privados são investigados e responsabilizados juridicamente pela crise financeira que quebrou o país.  São iniciadas investigações e detenções com a pressão do povo sob a coligação do novo governo. Os crimes financeiros investigados e esclarecidos na Islândia permanecem um mistério no resto do mundo. Lá há mobilização.

A pressão popular foi longe, uma assembleia constituinte foi convocada, com a eleição de 25 cidadãos sem filiação partidária: representantes sindicais, estudantes, agricultores, jornalistas, dentre outros. A nova constituição é inspirada na carta magna dinamarquesa, tendo inclusive recebido sugestões da população via internet.

Há escassa cobertura internacional, justificada, uma vez que um povo tomando as rédeas de sua própria nação desagrada aos grandes veículos de comunicação e a seus protegidos.

No entanto, são boas as previsões de crescimento da Islândia em 2012. E o exemplo dado pelo povo islandês está sendo divulgado na Espanha, por exemplo, e necessita ganhar repercussão. Para além dos usos indevidos da democracia no resto do mundo, ali levaram ao pé da letra o sentido da palavra.

Mesmo que a crise tenha passado como marola pelo Brasil, ainda fica o exemplo de mobilização séria, responsável e direta. Meros protestos soltos em redes sociais, sem o devido direcionamento, não chegarão longe. Logo, mirem-se no exemplo.

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