"O melhor caminho para uma desculpabilização universal, é chegar à conclusão de que, porque toda a gente tem culpas, ninguém é culpado"
José Saramago
Hoje menos
política que religiosa, essa filiação, material ou abstrata, engajada ou por
conveniência a um partido político, pode engendrar uma série de obstáculos ao pleno
exercício da democracia. Para além dos entraves institucionais das instâncias
governamentais, o problema começa pelo eleitorado.
Todo ato é
político. Por estarmos inapelavelmente inseridos num coletivo, nossas ações têm
irreversivelmente impacto sobre os demais nesse coletivo inseridos, sejam eles
próximos ou distantes, conhecidos ou ignorados.
Quando se
pensa no poder do voto para essa coletividade, esse ato específico extrapola
seus efeitos cotidianos. Desnecessário dizer que é um dos mais significativos
atos políticos, porque é universalmente institucional.
Universalmente
institucional, pois todos veem o voto como o momento democrático por excelência.
Ações coletivas como protestos, boicotes e mesmo chuva de ovos, se não
acompanhadas de ações legais efetivas, funcionam somente como mobilização.
Não que sejam vãs, mas carecem de direcionamento por vias institucionais,
ainda.
No entanto,
para a grande maioria do eleitorado, sobretudo de classes intermediárias, o posicionamento
político e o voto só se dão as mãos em anos pares, em meses próximos ao pleito.
O que foi feito em outros momentos das gestões eleitas, não parece ser do
interesse, muito menos da responsabilidade, dos eleitores dos vencedores. E
isso, está pra lá de sabido.
Essa
desresponsabilização individual é reflexo da inópia, da ausência de consciência coletiva
inerente à nossa estrutura sócio-econômica. Sem querer evocar a pieguice, mas
pela preponderância de nossos desejos egocêntricos, ornados pela correnteza do
cotidiano, alimentamos a fila em hospitais, o analfabetismo, o trânsito e a
corrupção. Eventualmente, nos tornamos fruto do sistema. Unidades meramente
passivas.
Tomar
posição partidária é um ato forçoso, na medida em que ainda é pelas vias
institucionais que certas realidades se transformam no Brasil. Mas escolher um
partido deve obedecer a preceitos mais nobres do que o ódio por outra
agremiação partidária ou pelas ideias pré-concebidas e hereditárias, sejam
herdadas da mídia ou do tradicional papai e mamãe.
Mesmo com o
espaço ganho por organizações civis e, sobretudo, por grandes empresas nos
locais de tomada de decisão, o prélio partidário ainda reina. De maneira
trágica, a democracia que se conhece aqui carece da intermediação de partidos
que mais votam conforme os desígnios de alianças do que propriamente atentando
aos direitos e necessidades da população.
No entanto,
a aliviante culpabilização genérica do “todo político é corrupto”,
desresponsabiliza-nos de nossa ação individual. Em meio ao conformado e
desenfreado acusacionismo, nos tornamos mero “mais um”, sem responsabilidades.
Assumindo
certa moral, moral política para indivíduos coletivos e, consequentemente
políticos, a assunção partidária deve obedecer aos doces e aos acres. Se
escolhemos uma legenda pela ideologia, ou mesmo pela rinha partidária, somos compelidos a nos responsabilizar pelos males do partido ao qual
dedicamos nosso voto. Afinal, o colocamos lá.
A democracia
representativa tem suas faces, férteis ou inférteis. Precisamos assumi-las todas
enquanto assim for, até que a democracia seja vivida como democracia.
Em meio à
desculpabilização universal e a poeira encobridora do cotidiano, as filas em
hospitais hão de continuar, assim como o trânsito, a violência e todo o leque de bem
conhecidas mazelas sociais.
Só
colheremos na vida os frutos de um coletivo saudável quando nos
responsabilizarmos pelas políticas que na urna alimentamos.
Um comentário:
O caminho para se atingir um cenário político que atenda a população é fazer a população, o eleitorado, atentar para sua responsabilidade no "jogo do poder". É resgatar a confiança na política. Acabei de redigir um artigo tratando do assunto, recusando a proposta de voto facultativo: http://oandarilho01.wordpress.com/2012/04/12/o-voto/
Afinal, se o poder emana do povo, esse povo tem que saber lidar com o poder, como já disse o Tio Ben...
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