quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Substantivo Democracia


Não há, no léxico, palavra mais violentada que “democracia”. A origem é grega, o uso é universal e a situação é russa. Morfologicamente, um substantivo. Tomando como bom exemplo o exame gramatical já empreendido sobre o PMDB, acho prudente debruçarmo-nos sobre a acepção de tão fundamental vocábulo.

Foto: João Faissal
Malfadado polissílabo! Sujeito de tantos lúgubres predicados! Os que contam a história fizeram questão de empunhar o escudo como espada; e a democracia foi adornada com os menos democráticos adjetivos. Prostituída. Saqueada. Distorcida.

Como há de lembrar, da etimologia sabemos que “democracia” poderia ser, em si, substantivo e adjetivo. Dos gregos demo (povo) e kratos (poder) poderíamos supor que sempre que a palavra aparece, há o poder popular. Mas as palavras mudam de opinião, por assim dizer.

Elucidando, o DEMocratas, partido brasileiro, não pode ter esse nome, uma vez que tem origem em barões, latifundiários e grandes empresários. E não pode não por proibição ou moral, mas por pura inconsistência etimológica.

Partamos à análise morfológica.

“Liberal”, como adjetivo, compreende uma extensa seara semântica, de acordo com o uso. Aprendemos, nos afáveis anos de escola, que o adjetivo muda a qualidade do substantivo.

Veja você a enorme discrepância entre “saia curta” e “saia longa”, “copo cheio” e “copo vazio” etc. Quão poderoso é o adjetivo, capaz de colocar o substantivo onde ele bem entender!

Morfologicamente a relação é de quase dominação. O substantivo “céu” não pode ser “azul” se o “cinza” se assenta, e por aí vamos.

Quanto ao substantivo “democracia”, nosso enfermo e corrompido oxítono, a regra é a mesma. Sem delongas, adjetivos como “liberal” (no sentido usurário comumente aplicado), “cristã” e “representativa”, modificam o sentido de “democracia”, imputando-lhe uma qualidade ao bel prazer de quem escreve.

Portanto, “democracia” é uma coisa. Se acompanhada de adjetivos, muda sua qualidade. E já basta de tanta mutação para uma palavra que, na prática, ainda é utópica.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A incompreensível política partidária das eleições em SP

Não faz sentido gastar neurônios para tentar entender o emaranhado político atual em torno das eleições na cidade de São Paulo. O que não faltam até o momento são jogadas surrealistas para a corrida municipal. 

Os três principais partidos na disputa apresentam hoje candidatos inimagináveis há um ou dois anos, o que gera ou segue gerando crises internas e confusões na mente do eleitorado, o último a saber das decisões partidárias. 

A exemplo da indicação de Dilma, o ex-presidente Lula deixou de lado as vozes do Partido dos Trabalhadores para empurrar um ministro para a chancela do voto. Depois de demover petistas históricos de concorrer, como Marta Suplicy e Mercadante, o PT preferiu concentrar esforços em promover Fernando Haddad como o candidato ideal para a metrópole. 

A cúpula do PMDB foi além no exercício de ignorar os membros tradicionais da legenda. Em busca do executivo paulistano, o partido de Michel Temer vai mostrar a foto de Gabriel Chalita aos eleitores que apertarem 15 na urna eleitoral. Trata-se do mesmo escritor recém-ingresso na política que há um ano e meio levantava a bandeira do PSB.

Mas o passo mais arriscado nos jogos partidários ainda não é uma certeza. O PSDB pode ignorar Bruno Covas, Andrea Matarazzo e José Anibal numa tacada só ao lançar – mais uma vez – José Serra na corrida pela prefeitura. Visando uma porção maior do eleitorado, os tucanos correm o risco de dar pano para manga para uma porção ainda maior de eleitores – a dos anti-Serra, que irão certamente jogar no tabuleiro uma carta conhecida: a antiga ambição do ex-governador em tornar-se presidente, a despeito da administração municipal. 

Quem está de fora dos intensos registros de fogo-amigo nos recantos políticos de São Paulo é justamente o mais importante elemento das eleições. Kassab assume abertamente apoio ao PSDB no caso da candidatura de José Serra, tornando-a impossível em contrário, como se todo o apoio vindo do PSD e de seus eleitores só tivessem uma explicação personalista, sem qualquer mérito ideológico, uma vez que a desistência do ex-presidenciável tornaria certa a aliança do atual prefeito com o PT. 

A coligação PMDB-PT também é outro discurso ambíguo. Chalita e Haddad evitam o confronto direto, a ponto de admitir uma já costurada aliança no segundo turno, como se a derrota de um deles fosse certa.  

Enquanto isso, nada se fala das questões de interesse do paulistano. O debate que se desenhou na operação da PM na Cracolância perdeu força. Até o momento, as eleições ainda são uma questão partidária. Nada de discussão política. 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O excessivo essencialismo da vida



“Pós-modernidade”, mundo sem sentidos e desamparo são ideias efusivamente trabalhadas por pensadores dos nossos dias. Muitas vezes essas concepções escondem ignóbeis e/ou artificiosos propósitos. A constatação do desamparo, do abandono e da ausência de sentido nesse mundo atroz é o primeiro passo para o acorrentamento a uma doutrina, seja ela qual for.

“Ser culto es el unico modo de ser libre”, disse certa vez José Martí, heroi da primeira independência cubana. Não a toa a segunda independência de Cuba seguiu esperançosamente o pensamento de Martí, e a educação na Ilha ainda é invejável.

Mas voltando à fatídica e belicosa sociedade monetária dos dias presentes, onde poucos têm acesso ao caminho dos cultos, o discurso do desamparo arrebata os desiludidos das mais diversas formas, essencializando a vida, dando-lhe um sentido clandestino.

A começar pelo eterno e temporal poder religioso. O discurso acalorado, entusiasmado e reconfortante é, grosso modo, o mesmo em diversos credos. Os desenganados são tocados, mesmo pelo discurso do evangelismo empresarial e sua chaga social, e vertem lágrimas e lealdade incondicional a uma ou outra fé.

Deste modo, as almas humanas originariamente livres se atam e se essencializam num padrão existencial exigido pelos mandamentos da fé. Mas esse fenômeno conhecemos bem, ultrapassou séculos e ainda ancora em qualquer tempo.

A exemplo do trilhado caminho da fé, encontram-se os manuais de vida. Literatura fácil que abraça os desamparados e enriquece os, supostamente, conhecedores do viver feliz.

Profusão de exemplos, como os romances de paralelismo, parábolas que, hipoteticamente, transcendem contextos sociais e históricos e valem universalmente pois concordam com a tal natureza humana. Ou mesmo a aclamada literatura corporativa, na qual os administradores encontram o sentido da vida num manual de negociação. Sem contar as infindáveis reinterpretações de clássicos como “A arte da guerra” e “O Príncipe”, ativamente descontextualizados para servir aos conhecedores de cases de sucesso, sucesso para quem?

Antes aceitássemos nossa indefinição, não seriamos reféns de sentidos criados com sabe-se lá que propósitos. Melhor seria se reconhecêssemos a inabalável ausência de sentido do existir, pois que daí iniciaríamos a busca por um sentido propriamente nosso.

Já dizia o filósofo francês Jean-Paul Sartre que “(...) somos condenados à liberdade”. Na investigação ontológica do alemão Martin Heidegger nos deparamos com a ideia do vazio do nada, da angústia existencial. É a angústia que abre portas, por assim dizer. Todavia é insuportável.

Mas existir é insuportável, qual o peso de carregarmos a nós mesmos nesse insólito percurso que é a vida? Dessa feita, nos essencializamos excessivamente em credos, “auto-ajudas” e fontes de sentido pré-fabricadas, no sentido econômico do termo.

O difícil enfrentamento da própria existência e da responsabilização pelos próprios atos alimenta, por exemplo, para retornar ao senso do blog, a desatinada tomada de partido e posicionamento político, como tentarei abordar em texto vindouro.

Os sentidos construídos por terceiros permanecem àqueles que fogem de si mesmos. E aos que encaram o desamparo inerente à existência humana, é tão indigesto aceitar esses sentidos quanto é difícil combatê-los.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

“E agora, José?”


A cara da atual situação política de José.
“A festa acabou (...)”.

Com os recentes escândalos desvelados pelo “Privataria Tucana”, parece que José pode parar de perseguir o poder a qualquer custo. Após a derrota em 2010, fez o que pôde para não sumir das luzes. A partir do bombástico livro de Amauri Ribeiro Jr., evita multidões e insolentes indagações, “e agora, José?”

No centenário do Theatro Municipal de São Paulo, lá estivera ele. Na final da Libertadores da América de 2011, mesmo palmeirense, empoleirara-se no camarote do Pacaembu. Houve um esforço hercúleo por parte de José, o tucano de pirata, para mostrar que, de algum modo, ainda está aí. “Se você gritasse”, José.

Quais as aspirações políticas de José? A prefeitura de São Paulo seria possível, uma vez que tem adesão daquele fidalgo eleitorado paulistano que vota como quem escolhe o anfitrião dos bailes da corte, o príncipe dos incluídos, o causídico dos afamados mimados de papai. Mas só “se você gemesse”, José!

Outra vez o Palácio dos Bandeirantes? A aristocracia, o classemedismo e os sabe-se- lá quais princípios políticos coletivos que movem boa parte do eleitorado paulista dariam a José mais uma vez o alto posto da província dinástica tucanesca. Mas até lá haja disposição pras câmeras, pois estar presente a todos os eventos até 2014 cansaria, “se você cansasse”, José.

No entanto, desde a explosiva publicação da saga dos “privatas do Caribe”, José se tornou mais reservado. Evita eventos, jornalistas e manifestantes, “está sem discurso”.

Assumidamente fora da disputa eleitoral pela Pauliceia, talvez porque “a população considera que ele não quer ser prefeito”, José não quer ter que prometer de novo não abandonar o cargo para disputar uma eleição, como fez duas vezes. “Sua doce palavra”, José.

José anseia nova migração rumo ao planalto central. Mas já não é mais o favorito do partido. A “única liderança” do país ao lado de Lula já disse que José não é o candidato natural para 2014. José “está sem carinho”.

FHC ainda diz que sua cota de José esgotou. Pudera, José resiste ou pelo nome ou pelo poder fisiológico nos limites da legenda. Suas passagens pela prefeitura e pelo estado foram de ruim a regulares, e, como se não bastasse, José foi o segundo padrinho do maior desastre político nacional desde Pitta-Maluf: Gilberto Kassab. “E agora, José?”.

O poder pelo poder é o maior dos vícios da política nacional. O imperialismo eleitoral com a busca dos altos cargos eletivos, unicamente pelos cargos, pelo prazer da conquista territorial sobre o adversário, corrobora com o loteamento de cargos de nomeação e outras distorções do sistema democrático. A semicerrada sociedade política e suas pelejas partidárias excitam José. Mas e agora?

Mesmo com todos os seus manchados pelas denúncias documentadas no “Privataria”, a ausência de apoio de seus antigos sócios, com o rastro sujo de política higienista de seus apadrinhados, seus governos pouco democráticos e sociais e suas fraudes eleitorais, “você marcha, José! / José, para onde?”