segunda-feira, 3 de junho de 2013

Um maio menos vermelho


Coroando uma trajetória recente repleta de desvios, o último maio do governo federal foi particularmente intragável. Já não é novidade, nem mais surpresa, que a administração petista apunhala a sangue-frio os princípios e valores de fundação do partido. Mas nesse decorrido mês ficaram ainda menos nítidas as fronteiras que divisam a terra petista da praia privatista. A MP dos portos e a 11ª rodada de leilões dos blocos exploratórios do petróleo mancham com outras cores uma já desbotada história.

Abril já foi fechado à democratização da mídia, com o fortalecimento do oligopólio da informação pelo próprio governo federal. Em 05/04, Dilma sancionou a MP 612 que desonera a folha de pagamento de empresas de diversos setores, incluindo o jornalístico e televisivo, até o fim de 2014. Aprovada pela câmara na última terça-feira (28/05), a MP alivia esse concentrado setor em R$ 1,26 bilhão. Um nectarino afago ao cartel que já recebe 72% das verbas publicitárias do governo federal e uma boa dose de fel à já complicada Previdência.

E a contrapartida inexiste, lembrando que o Grupo Estado já desonerara sua folha de pagamento com o fechamento do Jornal da Tarde ao cair de 2012 e com recente enxugamento do principal veículo, com consequentes demissões, nesse mesmo abril.

Mas o maio federal veio de rachar. O prestígio com o capital privado e oligopólios vai distanciando ainda mais o governo petista das necessidades do povo brasileiro e do fortalecimento do Estado garantidor de direitos, bandeiras petistas até há pouco.

A começar pela MP 595, dos portos, aprovada de tabelinha no congresso no meio de maio e a espera da sanção presidencial. Apresentada como necessária medida para modernização da infraestrutura portuária brasileira, a medida provisória esconde os verdadeiros vencedores daquela batalha travada nos mares de Brasília.

O que o oligopólio da informação não publica em seus jornais são os interesses do oligopólio de armadores marítimos (Maersk, Hamburg Sud etc), mega-empresas que já possuem portos particulares, controlam os fretes e consequentemente o preço dos produtos transportados nos sete mares. Na costa brasileira, apenas 10 mega-investidores já dominam a cabotagem (Opportunity Fund, Eike Batista etc), e a medida provisória há de reforçar e assegurar essa concentração.

Pescando pretextos, a política de concessão dos portos públicos em detrimento do controle estatal reforça o mote do privatismo tucano: vende-se por não se ter dinheiro para gerenciar. Justificativa barata, uma vez que o BNDES há de financiar, como sempre o faz, empresas vencedoras de concessões governamentais em setores vitais da economia brasileira. Um naufrágio do interesse nacional e do erário.

E como poderia uma política que favorece um oligopólio baratear as tarifas e assegurar a competição? É o mito da livre concorrência, contrário aos interesses nacionais como aponta o estudo Port Reform Toolkit do Banco Mundial.

Alternativas para uma real modernização da infraestrutura portuária brasileira existem. E há em Brasília ideias para isso, como a ampliação e recuperação da malha ferroviária nacional, arrancada pela ditadura militar; o fomento à construção de silos nos terminais de grãos e, sobretudo, a participação do Estado na busca pela isonomia na redução de tarifas portuárias e desburocratização de agências como Anvisa e Receita Federal nos portos.

Há ideias e pessoas, caso dos deputados do PSOL Chico Alencar (RJ) e Ivan Valente (SP) e do senador Roberto Requião (PMDB-PR). Este último, aliás, fez significativo pronunciamento sobre essa entrega que o governo federal realiza de setores estratégicos ao capital privado.

Dentre esses setores, está o petróleo, já não mais tão “nosso” como outrora garantia a constituição. No bazar neoliberal dos anos 90, uma das operações realizadas por FHC na Petrobrás foi a quebra do monopólio estatal sobre o petróleo com a lei nº 9478/97.

Assim, desde 1997 o governo federal realiza leilões para exploração dos blocos em concessões, com forte presença do capital privado e visível prejuízo público, pois o país só arrecada o que é pago em leilão e migalhas de royalties.

Natural que fosse assim num governo afeito à privatização como o de FHC. Mas “aí sim, fomos surpreendidos novamente”. A continuidade da lógica privatista com o governo petista é não só aterradora como de muito mau gosto.

Há alternativas de exploração desses blocos de petróleo com maior vantagem nacional. Mas a ANP, uma espécie de quinta-coluna autorizada com o respaldo do governo federal e do Ministério de Minas e Energia, abre as portas do petróleo e gás natural nacionais ao capital privado.

A lei nº 12351, promulgada por Lula em dezembro de 2010 e que dispõe sobre o regime de partilha na exploração das reservas do pré-sal, criando também o fundo social, traz regras mais próximas aos interesses do país. Mas fora da área do pré-sal continua esse privatismo herdado, à base de concessão, e aqui também vai Eike, com minguado ganho nacional e adiposos lucros privados.

Dessa forma, são os oligopólios nacionais e estrangeiros que mais se aproveitam desse modo de governar tão pouco vermelho e tão pouco popular. E a política de privatização ataca em outras frentes essenciais ao país, como a produção de energia em hidrelétricas. Com recente fim da concessão da hidrelétrica de Três Irmãos (SP), há grande chance do MME leiloar a oligopólios mais esse recurso nacional. Em novembro já haverá leilão do pré-sal. Vêm vindo novos, e obscuros, meses para o interesse do povo brasileiro, trazidos por mãos que antes agitavam melhores bandeiras.