terça-feira, 27 de março de 2012

Por favor, fique de pé - Em defesa do stand-up (ou Provocando Thiago Teixeira)

Tenho ouvido de pessoas que eu jamais denunciaria (muito menos num título de texto) que o formato de humor stand-up é um problema para o humorismo e vem sendo utilizado para fins indevidos. Não concordo. Acredito que esse velho-novo estilo trouxe de uns tempos para cá um alívio para a produção humorística nacional. Vou explicar, e para relaxar entre cada parágrafo reproduzo uma frase de um stand-up que vi por aí. 

A comédia stand-up (os humoristas não cansam de explicar) é feita pelo humorista sem figurino, maquiagem ou perucas, e é composta de um texto 100% autoral, em que o homem do microfone relata fatos do cotidiano, comenta filmes e relata experiências. Tudo isso usando os princípios básicos do humor de surpreender e fazer rir. 

“Já reparou que quando a vendedora pergunta ‘em que posso te ajudar?’ sua primeira intenção é responder ‘morrendo’?” – Rafinha Bastos

São essas regrinhas que permitiram um fôlego a mais para nossa produção humorística. Nos anos 90 e começo dos anos 2000 presenciávamos uma avalanche de personagens regadas a piadas Adão-contou-pra-Eva-e-ela-já-sabia e imitações que não saíam do eixo Roberto Carlos – Lula – Caetano Veloso – Romário – Maria Bethânia. Nessa leva, em meio a talentos, como Tom Cavalcante, Shaolin e Ceará, sobravam os de talento questionável.

"Sempre que você vai sair para uma festa sua mãe te chama num canto e fala 'filho, não vai não. Eu to um mau pressentimento...' Por que mãe nunca tem bom pressentimento?" Thiago Carmona

Deixando de lado o talento – algo mais subjetivo – iremos concordar que o essencial no humor é a criatividade e ela andava em falta. O stand-up basicamente impede isso, força uma reflexão humorística e ainda abre espaço para aqueles que não pretendem imitar vozes ou que não se sentem à vontade contando piadas por traz de uma máscara. É uma opção.

“Um dia num avião, uma pessoa passou mal, a aeromoça perguntou se tinha um médico a bordo e o cara levantou da poltrona e foi até o passageiro como se fosse um herói. Nunca vai acontecer de uma aeromoça pegar o microfone e perguntar ‘estamos com uma emergência, tem algum humorista no avião?’” – Fábio Rabin

Isso não quer dizer que esse formato de humor seja novo (Chico Anysio, José Vasconcelos e Jô Soares já fazia lá pelos anos 60) e muito menos quer dizer que todos os seus representantes sejam bons. Como toda moda, há os que copiam piadas, os que não têm graça e claro, os que testam os limites do humor e acabam recebendo vaias e críticas.

“Outro dia eu visitei Palmas, Tocantins. É estranho porque a cidade tem 20 anos. Eu sou mais velho que a cidade. Agora eu sei como a Hebe se sente em São Paulo” – Léo Lins

Ultimamente, não faltam confusões. Piadas racistas, machistas, de cunho ideológico e até aquelas em que o humorista satiriza sua própria situação e provoca polêmica (Ben Ludmer apanhou depois de brincar com o fato de ele próprio ser judeu). Onde está a novidade nisso? Em nenhum lugar. Esses estilos de piada sempre existiram. Há sim piadas pesadas e há aquelas em que o comediante erra na dose e passa a fronteira do humor para entrar na ofensa gratuita. Não é algo intrínseco à comédia stand-up. É algo anterior e que está presente em suas manifestações, mas que não podem ser traduzidos como sua essência. 

“Resolvi comemorar meu aniversário de namoro levando minha namorada para comer fora. Aí na fila do bandejão...” – Marcelo Mansfeld

O stand-up tem piadas que já perderam a graça, claro. Associações como Corintiano/Ladrão, São Paulino/Gay, Lula/Analfabeto, Hebe/Velha e Ronaldo/Travesti há um bom tempo são indicativas de textos menos originais. 

“O seriado chama Malhação e há 15 anos que não aparece uma academia. É por isso que o Mocotó ficou gordo daquele jeito” – Maurício Meirelles

O fato é que esse estilo traz um monólogo quase teatral, uma série de apontamentos e reflexões frutos de uma observação rigorosa que além de fazerem o público pensar provocam algo ainda mais saudável – a risada. A crítica está lá presente, de diversas formas, feita de diversas maneiras e não gostar da piada nada mais é do que um outro tipo de crítica. 

sexta-feira, 23 de março de 2012

Estados Unidos Aristocráticos do Brasil


Retomando o macambúzio destino do sorumbático vocábulo “democracia”, cabe contrastá-lo com demais formas de poder. Assim, um diagnóstico diferencial, para tirar a prova dos nove. Sobretudo vale inquirir e averiguar as diferenças a posteriori, baseados na experiência, entre democracia e aristocracia.

O título do presente texto já taxa a República Federativa, ou “Estados Unidos do Brasil”,como deseja José, de estado aristocrático. E não sem motivo. Intentarei perscrutar o que se apresenta como aristocrático e como democrático para chegarmos a uma conclusão razoavelmente sensata.

De volta àquelas, talvez, maçantes análises sintáticas morfológicas e semânticas do “cunho vernáculo” do vocábulo “democracia”, temos plena ciência de que o sentido deste termo, de origem grega, nada mais é do que o nobre poder do povo.

Sabemos, também, que na prática a teoria é outra. Os incontáveis adjetivos que desvirtuam o sentido da palavra atravessaram os séculos de história humana. “Democracia liberal”, “democracia representativa”, “democracia cristã” e mesmo o pleonástico “democracia popular”.

A situação é feia. E se agrava com o fomento à aristocracia brasileira. Rigorosamente, aristos, do grego, traduz-se “melhores”. Em sua República, Platão já defendia que apenas filósofos governassem o Estado. O contratualista Rousseau destaca as vantagens de um governo aristocrático, desde que apenas executor da vontade geral.

Em todo caso, Aristocracia denomina o poder dos melhores. E melhores sempre delimitou uma amostragem populacional, uma minoria. Podemos arriscar a pensar que se trata do poder de uma minoria, quando há aristocracia, vice versa.

Desde a redemocratização, vimos o crescimento de uma tal “democracia representativa”, constituída em 1988. A divisão de poderes entre legislativo, executivo e judiciário tem Montesquieu como padrinho e outros Estados como exemplos. O drama de um estado extenso que se diz democrático reside na representação da vontade do povo no poder legislativo.

Consta no Capítulo IV, Art. 14 da nossa carta magna, que a soberania popular se exercerá via sufrágio universal mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular. No entanto, a lentura, a burocracia e a, ainda, precária mobilização coletiva, fazem da tal soberania popular mera formalidade, “um papelzinho”.

Somos governados por grupos, os “melhores” para se ter mais exatidão. Grandes corporações jornalísticas como Abril, Folha, Estadão, Globo, Bandeirantes e outros filtram informação e formam opinião. Reproduzem entretenimento comprado, quase sempre acrítico e pseudo politizado quando critica.

Somos governados por partidões. Sim, boa parte deles são partidões, ou você acha que o Código Florestal ou o piso de policiais e professores são analisados pelo teor social do tema? Conchavo. Fisiologismo passou de vício a costume. Corporativismo é mal necessário. E assim vamos, permitimos desmatamento porque parte dos “melhores” assim quer, na busca por cargos.

Somos governados por caciques. Do Maranhão 66 à serrista Pauliceia. E os caciques lideram bancadas, partidos, Estados. São os “melhores”.

Somos governados pelo lobby, pelas grandes montadoras para que tenhamos mais carros e menos bicicletas; somos governados pelas imobiliárias, pela especulação e pelo aluguel salgado, extorsivo no custo/benefício, além do higienismo , a gentrificação para a valorização de regiões. É o sistema.

E a birra da base aliada do governo federal vai por esse caminho. Grupos querem poder, querem altos cargos da gestão, pelo simples poder. Descambamos já, talvez, para a oligarquia, ou “governo de poucos”, não necessariamente melhores.

Assim, são os grupos que governam. O povo deixa espaço para os melhores, ou os poucos. Tá aí, no seu dia-a-dia. No trânsito que você pega, no imóvel em que você dorme, no entretenimento em que você se distrai, no trabalho que você atura e na vida que você vive.

sexta-feira, 9 de março de 2012

O tomar posição partidária


"O melhor caminho para uma desculpabilização universal, é chegar à conclusão de que, porque toda a gente tem culpas, ninguém é culpado"
José Saramago

Hoje menos política que religiosa, essa filiação, material ou abstrata, engajada ou por conveniência a um partido político, pode engendrar uma série de obstáculos ao pleno exercício da democracia. Para além dos entraves institucionais das instâncias governamentais, o problema começa pelo eleitorado.

Todo ato é político. Por estarmos inapelavelmente inseridos num coletivo, nossas ações têm irreversivelmente impacto sobre os demais nesse coletivo inseridos, sejam eles próximos ou distantes, conhecidos ou ignorados.

Quando se pensa no poder do voto para essa coletividade, esse ato específico extrapola seus efeitos cotidianos. Desnecessário dizer que é um dos mais significativos atos políticos, porque é universalmente institucional.

Universalmente institucional, pois todos veem o voto como o momento democrático por excelência. Ações coletivas como protestos, boicotes e mesmo chuva de ovos, se não acompanhadas de ações legais efetivas, funcionam somente como mobilização. Não que sejam vãs, mas carecem de direcionamento por vias institucionais, ainda.

No entanto, para a grande maioria do eleitorado, sobretudo de classes intermediárias, o posicionamento político e o voto só se dão as mãos em anos pares, em meses próximos ao pleito. O que foi feito em outros momentos das gestões eleitas, não parece ser do interesse, muito menos da responsabilidade, dos eleitores dos vencedores. E isso, está pra lá de sabido.

Essa desresponsabilização individual é reflexo da inópia, da ausência de consciência coletiva inerente à nossa estrutura sócio-econômica. Sem querer evocar a pieguice, mas pela preponderância de nossos desejos egocêntricos, ornados pela correnteza do cotidiano, alimentamos a fila em hospitais, o analfabetismo, o trânsito e a corrupção. Eventualmente, nos tornamos fruto do sistema. Unidades meramente passivas.

Tomar posição partidária é um ato forçoso, na medida em que ainda é pelas vias institucionais que certas realidades se transformam no Brasil. Mas escolher um partido deve obedecer a preceitos mais nobres do que o ódio por outra agremiação partidária ou pelas ideias pré-concebidas e hereditárias, sejam herdadas da mídia ou do tradicional papai e mamãe.

Mesmo com o espaço ganho por organizações civis e, sobretudo, por grandes empresas nos locais de tomada de decisão, o prélio partidário ainda reina. De maneira trágica, a democracia que se conhece aqui carece da intermediação de partidos que mais votam conforme os desígnios de alianças do que propriamente atentando aos direitos e necessidades da população.

No entanto, a aliviante culpabilização genérica do “todo político é corrupto”, desresponsabiliza-nos de nossa ação individual. Em meio ao conformado e desenfreado acusacionismo, nos tornamos mero “mais um”, sem responsabilidades.

Assumindo certa moral, moral política para indivíduos coletivos e, consequentemente políticos, a assunção partidária deve obedecer aos doces e aos acres. Se escolhemos uma legenda pela ideologia, ou mesmo pela rinha partidária, somos compelidos a nos responsabilizar pelos males do partido ao qual dedicamos nosso voto. Afinal, o colocamos lá.

A democracia representativa tem suas faces, férteis ou inférteis. Precisamos assumi-las todas enquanto assim for, até que a democracia seja vivida como democracia.

Em meio à desculpabilização universal e a poeira encobridora do cotidiano, as filas em hospitais hão de continuar, assim como o trânsito, a violência e todo o leque de bem conhecidas mazelas sociais.

Só colheremos na vida os frutos de um coletivo saudável quando nos responsabilizarmos pelas políticas que na urna alimentamos.