O Haja vai dar uma de O biscoito Fino e a Massa. Não por atingir a qualidade das postagens do mestre Idelber Avelar, mas por abrir espaço para vozes ilustres de fora do blog. O Psicólogo Yuri Ongaro, grande amigo meu, traz alguns caracteres muito interessantes sobre crítica de mídia e sociedade, e a xenófoba mania destas de perseguir quem não se enquadra no padrão estético da Avenida Paulista.
Recomendação de Thiago Teixeira
A esmagadora maioria dos meus amigos recebeu com surpresa minha manifestação de agrado à eleição do palhaço Tiririca para a Câmara Federal nas eleições de 2010. Aposto que a mesma surpresa atinja quem se conforma com o título deste texto sem se dar ao exausto trabalho da leitura, tão desprestigiada em nossos tempos. Inicialmente, para já facilitar os próximos passos, não votei no cidadão Francisco Everardo, muito menos no famigerado Tiririca, no entanto vejo com bons olhos sua presença na casa, assim como seus “escândalos” já destacados pela grande
mídia. Afirmo, com toda a convicção, que se trata daquilo que muitos chamam de “um mal necessário”.
Levanto já indagações: os mais de 1 milhão de eleitores votaram em alguém que conhecem, não era essa uma das críticas que a mídia sempre colocou em pauta para justificar, sob que obscuros pretextos, que o brasileiro vota mal? E o que há por trás do recorde do Tiririca, um protesto consciente ou um vivo sinal de que a política anda tão distante das necessidades do povo, que esse já lava suas mãos? E tal tipo de descompostura do eleitorado é patrocinado pela mídia, afinal soubemos muito mais do Tiririca do que de qualquer outro parlamentar eleito. Será que porque ele é um palhaço e os demais são engenheiros, advogados, militares? A atenção concentrada na atividade legislativa do deputado Francisco Everardo é sem precedentes na história da cobertura política nacional: “
Tiririca votou errado”, “
Palhaço Tiririca gasta dinheiro público em resort”, “
Tiririca contrata humoristas como secretários parlamentares” e por aí vai, afinal a palavra “Tiririca” rende assuntos e acessos. As notícias arrebatam um sem número de cliques porque tratam de um palhaço, e a classe média pseudo-politizada encontra o espaço pra desfraldar seu extenso e vazio discurso de “absurdo!”, “infâmia!”, “puta sacanagem!” et similia.
Ora, a que se prestam essas notícias dos portais de internet a apontar seus suspeitos dedos ao cidadão Francisco Everardo? A uma elucidação política do povo sobre o que se passa nos legislativos pela república? Ou se presta à troça do deputado Tiririca, afinal ele é um palhaço? E aqui há outro ponto interessante: Tiririca tem sido tratado somente como um palhaço por pessoas que se manifestam contrárias ao preconceito, seja esse qual for, não é curioso? Mas, um palhaço? Não seria melhor mais um político de carreira, como um Maluf menos badalado, que gastará nos mesmos resorts, contratará os mesmos funcionários suspeitos, mas que não tenha os holofotes do picadeiro midiático que tem Francisco Everardo? A casa possui 513 deputados, não seria justo e politicamente prudente saber o que fazem ou não fazem os demais 512 parlamentares com seus PLs, seus discursos e com o dinheiro público? Talvez não, afinal qual é a graça dos empresários, dos professores, dos engenheiros ou dos economistas eleitos? Nenhum deles é palhaço. Em um país em que tanto se discute e se combate o preconceito, muitos desses são velados ou autorizados pela maioria. É saudável refletir sobre o menosprezo ao outro que muitos de nós carregamos em nossas sombras.
Ainda nas águas doentias do preconceito, recentemente se tornou público o grave caso do deputado Jair Bolsonaro. O que muitos não sabem, é que o militar acumula legislaturas desde 1991. Em outros termos: esse cidadão, que deixou manifestas suas intolerâncias política, sexual e racial em rede nacional, nos governa há 20 anos. Contudo, foi preciso que um programa de alta audiência facilitasse o escape de todo esse ranço discriminatório para que soubéssemos que tal militar, filho da “página infeliz da nossa história”, elabora leis e ganha pesado soldo por isso. O que soubemos do parlamentar Bolsonaro nas últimas duas décadas? Incomodou-nos? Não,
afinal era privado o que é de interesse público e ele não é um palhaço, não como Tiririca. E os demais 511 deputados, conhecemos? Soubemos de dois, já é um avanço.
Havemos de acompanhar a legislatura de Francisco Everardo pelas manchetes enviesadas da grande mídia, em clara demonstração de que os principais veículos de comunicação são conformados ou tendenciosos. Conformados porque raras vezes a atividade parlamentar é alvo de análises de grandes jornais, e muitos devem ter seus rabos presos com um ou outro empresário, advogado, os supracitados profissionais eleitos, enfim. Tendenciosos porque muitos levantam suas empoeiradas bandeiras ideológicas em nome da guerra política, de maneira sutil como cabe ao jornalismo “imparcial”, mantendo os cidadãos em segundo plano. “Tiririca ainda não apresentou nenhum projeto de lei”, “O palhaço Tiririca ainda não discursou no plenário.”, quem apresentou, quem discursou? Quantos noticiaram que Tiririca gastou apenas
R$ 42,03 de sua cota parlamentar no mês de março? Quantos tornaram público que, já em fevereiro, o deputado Francisco Everardo iniciou a recriação da Frente Parlamentar em Defesa da Cultura Popular e criou um projeto de
integração cultural com outro deputado tocantinense? São notícias que não alimentam o deboche pelo “deputado-palhaço”, não rendem público ao circo que se tornou a imprensa.
Por fim, quero justificar o porquê do “mal necessário” referido no primeiro parágrafo. Através dos motejos pouco informativos de grandes jornais acerca das “palhaçadas” do deputado Tiririca é que podemos ter um panorama do funcionamento da câmara dos deputados, que pode tranquilamente ser base de compreensão dos demais legislativos pelo país. As cifras gastas com resorts, as viagens de avião, as reformas de escritório e demais abusos financeiros são correntes nos parlamentos Brasil afora. Através dos holofotes no palhaço, vamos saber que muitos
deputados não propõem projetos de lei e outros se preocupam meramente com jogos político partidários em detrimento do interesse público, além daqueles que votam conforme a maioria, sem nem tomar conhecimento dos assuntos em pauta no congresso. E mesmo a falha no sistema eleitoral, tornada pública pela eleição de deputados de
carona nos mais de um milhão de votos de Francisco Everardo, falha combatida pela “
Lei Tiririca” na vindoura reforma política, é mais um sintoma (ou sinal?) de que há algo de podre na república do Brasil.
E a gente? Ah, a gente se preocupa..."ma non troppo", fala mal, xinga, menospreza, debocha do palhaço, enfrenta inflação, pega trânsito, paga imposto, assiste novela, continua no trânsito, é assaltado, faz compras e... e "
la nave va", como diria aquele que enxergava dignidade na figura do palhaço.
Yuri Ongaro (4/4/11)